Crises de ansiedade, episódios de pânico, insônia e até pensamentos suicidas. Esses são sintomas cada vez mais frequentes entre adolescentes brasileiros, e o país já sente os reflexos disso nas unidades de saúde. Só no estado de São Paulo, o número de atendimentos de adolescentes com transtornos mentais aumentou 42% nos quatro primeiros meses de 2025, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde.
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Para a psicóloga Isabel Fonseca, da unidade de saúde mental Francisca Júlia, em São José dos Campos (SP), o quadro é alarmante, mas não surpreendente: "O bullying, seja na escola ou no ambiente virtual, é uma das principais causas de sofrimento emocional entre adolescentes. A humilhação nas redes sociais intensifica ainda mais esse sofrimento, porque não há como escapar dela."
De acordo com Isabel, os impactos ultrapassam o ambiente escolar. "Os jovens apresentam queda no rendimento, se isolam socialmente, perdem o interesse por atividades que antes amavam. Alterações no sono e na alimentação, crises de choro e falas como 'ninguém gosta de mim' ou 'sou um peso' também são sinais de alerta para pais e educadores", explica.
Instagram, curtidas e pressão constante
Um dos grandes vilões dessa escalada de sofrimento emocional, segundo especialistas, é a busca incessante por validação nas redes sociais. "É preciso mostrar ao adolescente que muito do que se vê no Instagram ou TikTok é filtrado, editado, montado. A vida real é bem diferente do que se posta", ressalta a psicóloga.
A solução passa por limitar o tempo online, estimular hobbies offline e, principalmente, construir uma identidade baseada em valores reais. Autoconfiança não nasce de likes, mas de experiências significativas e apoio emocional constante.
O cérebro em obras: por que adolescentes sofrem mais
Isabel explica que o cérebro adolescente, em pleno desenvolvimento, é naturalmente mais vulnerável. "O sistema emocional se desenvolve antes da parte racional, ou seja, eles sentem tudo de forma muito intensa, mas ainda não têm maturidade para lidar com isso." Além disso, são mais suscetíveis à busca por recompensas imediatas, o que explica a atração por curtidas, desafios virais e até grupos extremistas.
Séries como Adolescência, lançada pela Netflix em março deste ano, tentam jogar luz sobre esse tema. Baseada em fatos, a produção mostra a radicalização e o colapso emocional de um jovem de 13 anos acusado de matar uma colega. Para Isabel, a trama é um alerta: “A série mostra como o isolamento, a falta de acolhimento e a radicalização online podem criar um terreno fértil para tragédias”.
Desafios virais e riscos fatais
Casos como o da menina que inalou desodorante em um desafio online ou do adolescente que ateou fogo a um morador de rua expõem a gravidade da influência digital. "Essas ações não são brincadeiras. São práticas que estimulam a autolesão e oferecem riscos reais à vida", alerta a psicóloga.
Mesmo plataformas como o Discord, muito usada entre jovens, já implementaram sistemas de denúncia e monitoramento com IA, mas os obstáculos ainda são grandes: criptografia de grupos, gírias codificadas e velocidade de propagação tornam a prevenção um desafio constante.
Francisca Júlia: atendimento imediato e multidisciplinar
Na linha de frente desse combate, a instituição Francisca Júlia mantém atendimento 24 horas para adolescentes em crise, com equipes multiprofissionais. Segundo Isabel, cerca de 4 mil adolescentes são atendidos mensalmente na unidade. “Recebemos casos de TDAH, transtornos alimentares, depressão, mutilação. A demanda é altíssima e crescente.”
Família e escola: a união que salva vidas
Prevenir o bullying e promover saúde mental exige parceria direta entre escolas e famílias. "Precisamos de diálogo aberto e educação socioemocional em sala de aula. É essencial perguntar ao jovem como ele está, se alguém o tem feito se sentir mal. Essa escuta pode ser a diferença entre o silêncio e o socorro."
Protocolos claros de combate ao bullying, capacitação de professores e envolvimento imediato das famílias são medidas urgentes. “Quando escolas e pais caminham juntos, criam um ambiente de segurança e acolhimento, que é tudo o que o adolescente precisa para florescer”, conclui Isabel.
Se você ou alguém que você conhece está em sofrimento emocional, procure ajuda. Ligue para o CVV — 188 (atendimento gratuito e sigiloso 24h).