Momento Criança

Quando me perguntam sobre leituras e influências, o nome brilhante e recortado que em minha memória salta é o de Monteiro Lobato.

31/08/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Quando me perguntam sobre leituras e influências, o nome brilhante e recortado que em minha memória salta é o de Monteiro Lobato. No ano em que completei dez anos li a coleção inteira, emprestada livro a livro por Eunice de Oliveira, colega de classe que morava na Rua Major Claudiano, entre a Líbero Badaró e a Tiradentes. Milagre da memória, sempre que passo por ali me vejo batendo à porta para devolver um e receber outro volume, ainda que a casa não exista mais. A mãe de Eunice tinha receio de que eu pudesse perder algum livro da coleção. Era uma pessoa cuidadosa.

No domingo, conversando com meu filho a respeito de uma caixa amarela em destaque sobre sua mesa, e que me despertou afinal para estas linhas, ouvi dele uma queixa sobre o sumiço de certos livros adquiridos por meu marido, grande admirador do escritor, principalmente do contista de Urupês, Cidades Mortas e Negrinha. Mas os que permaneceram no coração de Junior foram os infantis, que segundo ele ‘eram lindos, grandes, papel couché, capa dura, com ilustrações de que nunca esqueci’. E completou: ‘Perdi ao emprestar e não exigir de volta, que pena, até hoje procuro por eles.’ Por isso havia comprado para João, explicou, com antecedência de uns três anos, imagino, o Monteiro Lobato em quadrinhos, que motivava nossa conversa.

A caixa traz seis adaptações de histórias que os personagens Emília, Narizinho, Pedrinho e Visconde ouvem das bocas adultas de Dona Benta e Tia Nastácia, ambas, não raro, alter ego do escritor. A maior novidade é que nos chegam em quadrinhos produzidos por desenhistas como Luís Podavin e Fernado Arcon, e roteirizadas por Denise Ortega, Miguel Mendes, Stil e André Simas, profissionais reconhecidos pelos trabalhos na área de edição. Saltam da caixa, com o frescor da imortalidade, Dom Quixote das Crianças, Os doze trabalhos de Hércules, O Minotauro, Fábulas, Peter Pan e Aventuras de Hans Staden.

A obra de Cervantes, que há quatro séculos encanta o mundo inteiro, traz para o imaginário infantil as aventuras do Cavaleiro da Triste Figura. O menino que não queria crescer leva o leitor para a Terra do Nunca, criada por James Barrie na Londres de 1900. As fábulas de Esopo e La Fontaine tanto divertem como conduzem a reflexões sobre os vícios e as virtudes do ser humano. As histórias do alemão que deixou seu país e navegou com portugueses e espanhóis na era dos descobrimentos, soam tão incríveis que ainda hoje, pleno século XXI, surpreendem. Quanto aos relatos sobre o monstro que habitava o labirinto, e o herói desafiado por doze empreendimentos gigantescos, eles criam oportunidade para se conhecer o essencial da mitologia grega, esse conjunto de narrativas que estão entre as melhores de todos os tempos. Vasto e profundo era o manancial onde o escritor matava sua sede de curiosidade pela vida e pelos seres humanos.

Contadas em ritmo ágil, as histórias trazem um apêndice ilustrado com sinonímia, contextualização dos fatos, dados biográficos do autor. No caso de Dom Quixote, há um roteiro sugestivo da região de Castela La Mancha, por onde o cavaleiro andante se deslocava. Nos dois títulos que remetem à mitologia, estátuas e desenhos ajudam a imaginar as ninfas e os sátiros, os címbalos e as clavas, outros personagens como Teseu e Jasão. Em Fábulas, um adendo com bonitos desenhos desvela a simbologia dos animais. Outro conjunto de imagens encantadoras traz para o presente brinquedos da época em que Peter Pan conheceu Wendy. Figuras bizarras e mapas procuram traduzir as excentricidades contadas por Hans Staden.

Sei que podem perguntar: mas e o texto, prioridade da literatura? Respondo que estes são livros para atrair a criança à leitura. Nessa adaptação para quadrinhos, o esforço de Lobato em levar os relatos às crianças ganhou uma linguagem mais dinâmica, o que é próprio do gênero HQ. Mas, o que é importante, o cerne da narrativa autoral subjaz nas histórias. Aliem-se a isso os personagens e as ilustrações e se terá uma composição perfeita para aliciar um pequeno leitor. Ouço muito em minhas andanças queixas de pais e professores sobre crianças que não querem ler. Conheço até escritores cujos filhos nunca desenvolveram o prazer da leitura. Em contrapartida, vejo meninos e meninas que não tendo livros em casa, devoram os que encontram em seu caminho. Essa é mesmo uma área de muito mistério.

No que creio, e nessa direção aponta minha própria experiência, é que uma vez fisgado, o interesse pela leitura estará garantido para o resto da vida. O segredo é saber como. A caixa amarela com as histórias em quadrinhos pinçadas de Lobato podem funcionar como isca essencial.

Fundador do nosso imaginário, segundo Marisa Lajolo; primeiro reformador da prosa brasileira, para Oswald de Andrade; dos valores mais indiscutíveis de nossa literatura moderna, de acordo com Antônio Cândido, Monteiro Lobato é unanimidade. Não há idade para lê-lo. Mas quanto antes, melhor.

O ESCRITOR

Monteiro Lobato.

No âmbito das frases ele se tornou conhecido por uma repetida à exaustão desde 1916: “Um país de faz com homens e livros”. Mas muito além desta estão aquelas que o desvelam como profético (“Em breve futuro a palavra ‘longe’ se tornará arcaísmo.”-1909); crítico da violência (“Nunca bala matou ideia.”- 1932); ambientalista (“A natureza criou o tapete verde (...) onde vivem todos os animais (...) Nenhum o estraga, nenhum o rói, exceto o homem.”-1946); feminista (“A mulher não é inferior nem superior ao homem, é diferente.”- 1921); escritor (“O que mais aprecio num estilo é a propriedade exata de cada palavra.”- 1943).

Romancista, contista e jornalista, nasceu em Taubaté em 1882 e faleceu em 1948. Formado em direito, exerceu cargo de promotor de justiça por pouco tempo no interior de São Paulo. Logo voltou à capital onde fundou uma editora e começou a escrever para jornais e revistas. Viajou aos EUA como adido comercial. Ao retornar em 1932 iniciou campanha a favor da exploração de petróleo e por isso foi preso. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, recusou a honraria. Trabalhou como tradutor para muitas editoras. De seus títulos constam, além de toda a obra infantil centrada no Sítio do Pica-Pau Amarelo, livros de contos como Urupês, Cidades Mortas, Negrinha, O Choque, Mr. Slang e o Brasil, Na Antevéspera. Considerado o criador da literatura infantil no Brasil, pertence ao grupo de nossos escritores mais lidos e traduzidos.

Livro
Título Original: Monteiro Lobato em Quadrinhos
Gênero: Aventura
Origem/Ano: 2013
Número de livros: 6


Sônia Machiavelli,
professora, jornalista, escritora

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