O avanço acelerado do comércio eletrônico vem redesenhando a dinâmica do trabalho nas grandes cidades brasileiras. Em Belo Horizonte, a multiplicação de veículos sem identificação fixa circulando por bairros e condomínios revela um novo perfil profissional: entregadores autônomos ligados a marketplaces como Amazon, Shopee e Mercado Livre. Para muitos, a atividade deixou de ser complemento e passou a ocupar o centro da vida financeira, com faturamentos que podem alcançar R$ 12 mil mensais.
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A mudança não é apenas perceptível nas ruas. Dados oficiais mostram que o rendimento médio dos homens em ocupações informais cresceu 2,2% em 2024, segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, divulgada em dezembro. O resultado contrasta com a retração observada no mercado formal e ajuda a explicar por que tantos trabalhadores estão deixando vínculos celetistas.
Do contracheque à autonomia
Após duas décadas como motorista com carteira assinada, Jaderson Barbosa dos Santos, de 43 anos, decidiu antecipar um plano pessoal e migrar para o trabalho por conta própria. Investiu em um carro e passou a realizar entregas para a Amazon. Hoje, faz entre 30 e 60 entregas por dia e mantém a atividade como única fonte de renda.
Nos meses de maior demanda, o faturamento chega a R$ 12 mil — cerca de três vezes mais do que recebia como CLT. Mesmo descontando despesas fixas, como aproximadamente R$ 2.500 mensais em combustível, ele afirma que o ganho líquido continua superior. Para Jaderson, a ausência de chefia direta e a possibilidade de organizar os próprios horários pesaram tanto quanto o dinheiro.
Indicadores confirmam mudança no mercado
Os números do IBGE reforçam a percepção relatada nas ruas. Enquanto homens em trabalhos informais registraram alta de rendimento, mulheres no mesmo segmento tiveram queda de 1,2% em Minas Gerais. No emprego formal, o rendimento médio habitual recuou tanto para homens (-0,5%) quanto para mulheres (-5,3%).
A pesquisa classifica como ocupações informais trabalhadores sem carteira assinada, autônomos sem contribuição previdenciária, empregadores sem CNPJ ativo e auxiliares familiares, refletindo um grupo cada vez mais heterogêneo.
Concorrência cresce e pressiona ganhos
Nem todos, porém, avaliam o cenário de forma tão otimista. Entregador da Shopee desde 2023, Augusto Cruz, de 34 anos, relata que o aumento no número de cadastrados reduziu a oferta de rotas por motorista. Atualmente, ele realiza de 100 a 120 entregas por dia, três vezes por semana, com média diária de R$ 335.
Para fechar as contas, Augusto complementa a renda com corridas em aplicativos de transporte, somando cerca de R$ 150 extras por dia — valor que cobre, segundo ele, os custos de combustível. “Já foi melhor”, resume, ao citar a concorrência crescente e o rodízio entre entregadores.
Plataformas concentram renda dos parceiros
As empresas confirmam a expansão do modelo. A Shopee informa manter cerca de 45 mil motoristas parceiros no país. De acordo com o head de logística da companhia, Tiago Freddi, levantamentos internos indicam que, para 80% dos parceiros, a maior parte da renda mensal vem das entregas realizadas pela plataforma.
Relatos coletados pela empresa apontam conquistas como compra de veículos, acesso a planos de saúde, quitação de dívidas e investimentos em educação. Mais da metade dos parceiros também teria aplicado recursos em cursos próprios ou de familiares.
Renda extra e estratégia temporária
Para alguns, a atividade é encarada como solução provisória. O casal Flora Fonseca, de 27 anos, e João Paulo Marsicano, de 28, atua no Mercado Livre há cerca de três meses. Juntos, obtêm aproximadamente R$ 2 mil por mês, optando por rotas curtas, jornadas de até quatro horas e pagamentos que variam entre R$ 120 e R$ 280.
Após testar trajetos mais longos, decidiram priorizar aqueles com melhor relação entre esforço e retorno financeiro. A expectativa é utilizar o dinheiro como apoio temporário, sem transformar a atividade em ocupação fixa.
Requisitos para entrar no setor
Para se cadastrar como entregador, as plataformas exigem CNH categoria B válida, veículo em boas condições e emissão de nota fiscal, geralmente por meio de MEI ou CNPJ. As regras específicas variam conforme a empresa e a região, mas estão disponíveis nos canais oficiais.
Enquanto o debate sobre direitos trabalhistas e proteção social avança, o trabalho por entregas segue crescendo e alterando, na prática, a forma como milhares de brasileiros se relacionam com renda, tempo e estabilidade.
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