No coração do Centro Bioindustrial do Instituto Butantan, a vacina tetravalente contra a dengue ganha vida em uma operação que não para. Desde abril de 2025, o prédio dedicado exclusivamente ao imunizante funciona 24 horas por dia, em um ritmo que permitiu alcançar a marca de 1 milhão de doses prontas em apenas seis meses. E esse é apenas o começo: uma nova parceria internacional deve multiplicar esse volume nos próximos anos.
VEJA MAIS:
- ANVISA aprova vacina única contra dengue; quando chega ao SUS
- Em Piracicaba, Saúde confirma o quinto óbito por dengue em 2025
- Clique aqui e receba, gratuitamente, as principais notícias da cidade, no seu WhatsApp, em tempo real.
A estratégia global que muda o jogo
Antes mesmo de entrar na parte técnica, o Butantan iniciou uma movimentação considerada estratégica: firmou um acordo produtivo com a chinesa WuXi Vaccines, empresa especializada em fabricação de imunizantes sob demanda. O objetivo é claro — produzir dezenas de milhões de doses adicionais e preparar o imunizante brasileiro para um cenário global cada vez mais pressionado pelo avanço da dengue, doença que ameaça 4 bilhões de pessoas, segundo a ONU.
A parceria inclui transferência completa de tecnologia, treinamentos e replicação fiel das etapas produtivas realizadas no Brasil. A validação dos primeiros lotes fabricados na China está em andamento, e a expectativa é que a certificação final aconteça até o primeiro semestre de 2026.
Onde tudo começa: bancos celulares e virais
O ponto de partida da vacina envolve estruturas que podem ser comparadas a cofres científicos. São os bancos mestre, semente e trabalho — tanto de células Vero quanto dos quatro tipos de vírus da dengue (DENV-1 a DENV-4).
Essas células Vero, originalmente fornecidas pela ATCC, são responsáveis por sustentar a multiplicação viral. Elas passam por sucessivas amplificações até atingir o volume adequado para produção. Já as cepas virais, cedidas pelo NIH, seguem o mesmo processo de expansão e formam o banco trabalho, que abastece a produção por cerca de cinco anos.
Produção do IFA: o núcleo do imunizante
A fabricação do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) ocorre em ambientes independentes, cada um dedicado a um sorotipo do vírus. O processo envolve:
- Expansão celular em meios nutritivos por aproximadamente 20 dias;
- Inoculação do vírus escolhido, com volumes ajustados conforme o comportamento de cada cepa;
- Incubação controlada, etapa em que as células produzem novas partículas virais;
- Colheita do sobrenadante, rico em vírus, que segue para purificação.
A partir daí, cada monovalente é isolado, purificado e concentrado para garantir potência e segurança.
A “receita final”: formulação tetravalente
Depois de prontos, os quatro IFAs são combinados em proporções calculadas conforme a concentração viral de cada lote. O resultado é o imunizante tetravalente que seguirá para envase e liofilização — etapa que garante estabilidade mesmo em baixas temperaturas e amplia a validade da vacina.
Do líquido à pastilha: a tecnologia da liofilização
O envase ocorre em uma linha automatizada que controla peso, volume e esterilidade de cada frasco. Em seguida, os recipientes entram em um liofilizador que opera continuamente por cerca de quatro dias.
O processo congela rapidamente o produto e retira a água por sublimação, transformando o conteúdo em uma pequena pastilha. Ao final, as tampas são pressionadas e lacradas em ambiente estéril, selando definitivamente o frasco.
Inspeção e preparo final
Antes de chegar aos centros de distribuição, cada frasco passa por inspeção visual rigorosa. Especialistas treinados examinam o produto contra fundos claros e escuros para detectar defeitos no vidro, partículas indesejadas ou falhas na pastilha.
Somente após essa etapa os frascos recebem rótulo, lote, informação técnica e são embalados junto ao diluente — água ultrapurificada que reconstitui a vacina no momento da aplicação.
Com tudo pronto, o imunizante segue para o Centro de Armazenamento Refrigerado, onde aguarda distribuição para cumprir sua missão: proteger a população brasileira da dengue.