Alguns anos atrás recebi um texto de um paciente que queria saber o que eu pensava a respeito do “excesso de sexo na prática sexual” (rs). A princípio, parecia sem sentido ou contraditório a forma como ele se expressou. Acompanhem o texto, cujo autor não foi mencionado por este paciente, e façam as suas reflexões.
“Devido a muitas influências sociais e religiosas, há uma valorização da genitalização das relações sexuais. Isso significa que a penetração é mais importante, e muitos outros comportamentos igualmente prazerosos são evitados.
Atualmente há uma supergenitalização das relações sexuais, que consistem basicamente em penetração.
Recordando a origem da palavra sexo, ela se refere à nossa condição de seres sexuados.
Ou seja, o sexo tem mais a ver com a nossa identidade sexual do que com qualquer outro significado. Partindo desse ponto de vista, falar sobre relações sexuais abrangeria uma série de comportamentos muito ampla. Tanto que, se nos prendermos ao sentido literal de ‘relações sexuais’, estaríamos falando de todos os tipos de relacionamentos que consistem em duas pessoas interagindo, pois são seres sexuados (apertando as mãos, tendo uma conversa, um abraço, um beijo…).
No entanto, se repensarmos esse termo e o transformarmos em ‘relações eróticas’, tudo se tornará muito mais significativo. Etimologicamente, o ‘sexual’ não se refere (apenas) ao que é feito em privacidade.
Aquele ‘Eros’ presente como um prefixo em ‘erótico’ traz um componente de intimidade, vontade e desejo nas relações.
Agora, mesmo reformulando o conceito, continuamos a associá-lo a um tipo de interação íntima: a penetração. As relações baseadas na penetração não são o ápice ou objetivo de qualquer interação íntima. Se fossem, talvez fosse mais lógico chamá-las de relações genitais e não relações sexuais ou relações eróticas.
As ideias sobre relacionamentos íntimos podem estar contaminadas por muitas influências sociais. O cinema e a TV nos ensinaram que os órgãos genitais são a única maneira de se relacionar para obter prazer real. A pornografia também acentuou essa supergenitalização dos relacionamentos eróticos. Ela mostra determinadas dinâmicas, tempos, formas, tamanhos e atitudes que não são, de forma alguma, representativas do que acontece na realidade.
Se nos deixarmos levar por essas influências e não as questionarmos, provavelmente viveremos os nossos relacionamentos íntimos com frustração.
Os genitais masculinos e femininos podem falhar. Isso acontece de muitas maneiras, devido a muitas causas. O que acontece se eles falharem? O relacionamento erótico acabou? As nossas relações eróticas são tão frágeis que dependem exclusivamente dos nossos genitais? Não, claro que não, mas a supergenitalização das relações sexuais, juntamente com a crença popular, indicam que sim e isso produz vários tipos de mal-entendidos e dificuldades.
Infelizmente, a situação do homem que perde totalmente ou parcialmente a ereção antes ou durante uma relação erótica é comum. O problema é que o seu parceiro atribui essa perda de ereção à falta de desejo erótico em relação a ele ou ela. Isso nos diz muito sobre a supervalorização da resposta genital: atribuímos mais validade ao comportamento genital do que ao próprio testemunho da pessoa sobre o desejo ou a excitação que está sentindo.
Quando nos concentramos em uma única prática erótica, desprezamos o restante. Ao fazê-lo, estamos nos fechando a experimentar sensações desconhecidas que podem nos proporcionar prazeres iguais ou mais intensos do que a penetração.
Uma educação sexual adequada deve promover esse autoconhecimento, para que as pessoas sejam mais independentes e livres”.
Luiz Xavier é psicólogo clínico e terapeuta sexual.