Ensina-se que, por realidade, entende-se como são as coisas fora ou independentemente da mente humana. Parece complicado. Mas é o que é. Ou, simplificando: as coisas são como são. Logo, parece ser ainda mais óbvia aquela afirmação já muitas vezes repetida: “É preciso mudar sempre para continuar tudo igual”. Basta, pois, viver muitos e muitos anos para constatar que, realmente, quase tudo se repete com novos personagens e em outros contextos.
Aliás, não é raro encontrar aquele que se pergunta se o seu próprio viver não seria um sonho. Ou pesadelo. Há que se lembrar, por exemplo, da frase tornada corriqueira após os “anos dourados”. Era amarga: “Parem o mundo que eu quero descer.” O mundo não parou, ninguém desceu. Dessa forma, lá se vão ocorrendo mudanças e transformações cada vez mais constantes. Assim, pois, ainda que surgindo novas gerações, continuam quase as mesmas muitas inquietações, deixando sem respostas os aflitivos porquês de antes.
Diz-se ser necessária uma arte de viver. Há-se de concordar desde que se entenda arte em sua significação mais genérica, regras com as quais o ser humano exerce uma atividade qualquer. A ciência estaria, pois e também, no universo da arte. E a poesia, a medicina, a política, a guerra, a paz, ações humanas, também o amor.
Estariam, elas, no elenco artístico. Até que alguns pensadores se deram conta do necessário, do possível, do prático, daquilo que exige mais técnica do que arte, mais conhecimento do que criação.
Ao final, tudo se complementa, na formidável composição com segredos, mistérios e leis da natureza. Logo, somos convidados, talvez, à aceitação: as coisas, realmente, são como são. Portanto, o ser humano também. Não o aceitando, nada mais nos resta além de repetir aquilo que milenarmente temos feito: tentar mudar o mundo, cada qual querendo inventá-lo conforme suas aspirações, desejos, necessidades. E continuaríamos no caos social, político, linguístico, econômico, étnico. Pois o mundo desejado pelas pessoas seria uma realidade impossível de existir universalmente. E essa continuaria sendo a grande utopia que nos conduz a guerras, conflitos e dissenções: líderes, ideólogos querendo criar mundos conforme a sua própria vontade. Pequeninos deuses, portanto.
Há, todavia, uma outra realidade que, para alguns analistas da dimensão humana, pode assemelhar-se à fuga, mas que nos é alento e, até mesmo, consolação: o sonho, a fantasia. Não nas horas de sono, dormindo. Sonhar durante a vigília, desperto; fantasiar para si próprio, recusar-se ao bombardeio de realidades criadas por lideranças doentias. E a fantasia, esse incrível privilégio humano de criar, de inventar, de, na imaginação, construir a verdade desejada? Elas existem quase sempre apesar de nós mesmos. É como uma escravização legal: de leis, de normas, de mandamentos, de credos, de filosofias, de costumes. São recursos e condições para sobreviver, não para viver em plenitude, esse sonho ainda não realizado.
Sonhar, fantasiar, idealizar há que ser qual nutrir uma certa esperança. Talvez, uma invenção do adulto saudoso da própria infância, da adolescência inquietante. Ou não seria verdadeiro que, mesmo em idade avançada, o ser humano ainda almeja? Cada um diga-o por si. Pois, quanto ao escrevinhador, ele ainda sonha em ser centro avante do Corinthians ou zagueiro central do Nhô Quim. Ou voltar a ser o Tarzan, saltando das árvores, mergulhando nos rios, defendendo sua Jane de todos os perigos. Ou – desejo sem fim – conseguir escrever uma frase em sol maior. Apenas, tão somente isso.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.