ARTIGO

Flertar, galantear, assediar

Por Cecílio Elias Netto |
| Tempo de leitura: 3 min

Situações parecem ter-se invertido: moças, agora, reclamam de “homens não serem mais os mesmos.” E rapazes queixam-se de moças quererem agir como homens. É a confusa transição de uma sociedade exaurindo-se em seus valores equivocados. Ainda na década de1990, um assessor do então candidato Bill Clinton, James Carville, já explicara a crise: “É a economia, estúpido”. E a estupidez atingiu povos, nações, vítimas do inesgotável apetite dos poderosos.

Mas, as queixas dos que anseiam por amores confundem-se com as de quem os encontra. A insatisfação humana é proporcional aos desejos ilimitados. Pois, somos seres desejantes. Filósofos há que dizem felicidade humana só ser possível se não mais houver desejos. Vai daí, o propósito daqueles que pregam o controle dos desejos para se chegar ao reino dos céus. Que, aliás, ninguém sabe onde se localiza... Seja lá o que for, no entanto, a ausência de desejo significa não mais ter vida. Ou não?

Desde ao despertar pela manhã, o ser humano tem desejo. De dormir mais um pouco, por exemplo. Ou de que o dia lhe seja propício. Ou de que o chefe ou o patrão não apareça. Tristeza.  A escravização começa a partir do primeiro ditador: o relógio. De qualquer forma, não há vida sem desejo. E, entre os pensadores, satisfaço-me com o entendimento de Spinoza: “Desejo é a tristeza ligada à falta da coisa que amamos, do que é agradável.” Ponto final.

No entanto, a palavra – desejo – passou a ser entendida quase que apenas em relação a sexo. E, inevitavelmente – diante da confusão e temores que isso causa – lá permanecem, ainda, restrições, imposições, regras, intervenções em vidas alheias. O preconceito, na realidade, é conceito. Especialmente na ordem espiritual, religiosa. E, nesta, desde os primeiros séculos.  Mandamentos, afinal de contas, são ordens. E, quando quem manda é poderoso, lá vem a regra: “manda quem pode, quem não pode obedece.”  

“Sou o macho da espécie. A fêmea surgiu de minha costela. Portanto, ela que se submeta a meu poder. Mulheres, submetam-se a vossos maridos!” Isso foi escrito, ordenado, mandado há mais de dois mil anos. E há, ainda, quem ainda acredite assim deva ser. Logo, já não estaria por aí, também, a sina do macho em agir sempre como o valentão, o corajoso, o bruto? Até mesmo no amor? Isso, porém, não é verdadeiro

O amor está entre sonhos, desejos, aspirações, desse “gênio da espécie”, conforme o definiu Schopenhauer. E que sequer se aventem os múltiplos significados do amor. Mesmo assim, o ser humano, esse desejante, é destinado a amar. Pode não o perceber. Pode, também, tentar ignorá-lo. Se o conseguir, conhecerá a tristeza depressiva.

Há uma arte do amor, o amor é arte. Os enamorados, pois, hão que ser artistas. E, então, exercitarem-se no interminável processo de sedução. É o que acontecia no amor cortês, da cortesia, da cordialidade. Iniciava-se com a arte de flertar (do “flirt”, em inglês). Um olhar, um sorriso, um aceno, um piscar de olhos que, num passado mais civilizado, jamais fora entendido com esse estúpido assédio. Assediar é tentar aprisionar. Flertar é arte de conquistar. E a conquista, a sedução conduzem à galanteria. Não há amor sem atenção amorosa.

Muitos de minha geração fomos galantes. Seresteiros, de violões a tiracolo, caminhando serenamente pelas ruas, entoando canções de amor à janela das moçoilas, “roubando” flores nos jardins das residências. E, com um bilhetinho, deixando-as às namoradas. E, sob as estrelas, o convite apaixonado: “Acorda, minha bela namorada, que a Lua nos convida a passear...”

Foi bom.

Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.

Comentários

Comentários