ARTIGO

A morte como um convite para a vida

Por Fabiane Fischer |
| Tempo de leitura: 3 min

Falar de morte nunca foi um assunto fácil. Na maior parte das vezes a gente foge do tema, muda de conversa ou se cala diante dele. Parece pesado, sombrio, quase um tabu, mas e se olhássemos para a morte com outros olhos, não como o fim de tudo, e sim como um lembrete daquilo que realmente importa na vida?

Quando pensamos na finitude, somos convidados a refletir sobre o presente. O tempo que temos não é infinito e isso pode ser assustador, ao mesmo tempo, essa consciência nos dá a chance de viver de forma mais verdadeira. Se amanhã não estivesse garantido, como você escolheria passar o dia de hoje? Com quem estaria?

O que deixaria de lado? Essa reflexão não precisa ser carregada de tristeza, mas sim de propósito. A morte pode ser um chamado para que a gente viva com mais coragem, presença e gratidão.

Ela escancara a fragilidade da nossa rotina, mostra que muitas das preocupações que carregamos talvez não tenham tanto peso assim. A conta atrasada, a reunião que não deu certo, o trânsito interminável, tudo isso perde importância quando lembramos que a vida é curta. O que ganha valor, então, são as relações, os gestos de carinho, as memórias que construímos. Quantas vezes deixamos de visitar um amigo, de ligar para um parente, de dar um abraço mais demorado porque estávamos ocupados demais? É justamente nesses detalhes que a vida encontra sentido.

Olhar para a morte também é uma forma de se reconciliar com a própria história. Guardamos arrependimentos, mágoas, palavras não ditas. Pensar no fim pode ser o empurrão que faltava para pedir desculpas, perdoar ou simplesmente dizer eu te amo. O que parece óbvio hoje pode ser exatamente o que fará falta amanhã.

Muitas vezes acreditamos que teremos tempo para resolver depois, mas ninguém tem esse controle. A consciência da finitude nos lembra da urgência de viver agora.

É curioso como, ao encarar o fim, descobrimos mais sobre o começo. Descobrimos o que nos move, o que queremos experimentar, o que vale a pena manter. A morte nos convida a alinhar a vida com os nossos valores mais profundos, a gastar energia com o que realmente faz sentido. Ela nos lembra de que viver não é apenas existir, mas construir uma trajetória que reflita quem somos de verdade.

Outro ponto importante é aprender a lidar com a partida dos outros, cada despedida deixa um vazio difícil de preencher. Mas até a dor pode ser ressignificada quando lembramos que amar alguém também significa aceitar que esse alguém é finito. A saudade que fica é a prova de que aquele vínculo foi verdadeiro, o silêncio após uma ausência pode ser pesado, mas também pode ser preenchido por lembranças, histórias e aprendizados que permanecem. Quando alguém se vai, parte dele segue vivo em quem ficou.

Em vez de negar a morte, podemos acolhê-la como parte da existência e isso não significa deixar de sofrer quando ela chega, mas entender que ela nos lembra da preciosidade de cada instante. A vida é um sopro, mas é justamente por isso que cada segundo conta. Cada manhã em que acordamos é uma nova oportunidade de fazer escolhas diferentes, de tentar de novo, de viver de forma mais autêntica.

Pensar na morte é, no fundo, um convite a viver com mais presença. É desligar o piloto automático, saborear o café da manhã, rir de uma piada boba, prestar atenção no pôr do sol sobre o rio de Piracicaba. É caminhar pela rua com calma, cumprimentar os vizinhos, valorizar a simplicidade de estar vivo. É estar inteiro em cada momento, porque o amanhã ninguém pode garantir.

Talvez a grande lição seja essa: a morte é inevitável, mas a forma como escolhemos viver até ela é totalmente nossa. Quando entendemos isso, passamos a dar mais valor ao que temos, às pessoas que amamos e às pequenas alegrias que preenchem nossos dias. E, quem sabe, possamos finalmente enxergar que a morte, ao contrário do que se pensa, pode ser o lembrete mais poderoso de que a vida vale a pena ser vivida. Com carinho, Fabiane Fischer.

Fabiane Fischer é especialista na recuperação de dependentes químicos, abusos e compulsões.

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