ARTIGO

A lição de Maquiavel que Lula esqueceu (ou não sabe)

Por Kazuo S. Koremitsu |
| Tempo de leitura: 4 min

O tema da soberania está na moda e inunda hoje os discursos políticos brasileiros, venezuelanos e até chineses. Recentemente o presidente chinês encomendou e apresentou ao mundo um desfile bélico de grandes proporções: mísseis balísticos hipersônicos, drones de combate, navios de guerra de última geração, todos capazes de rivalizar à altura ao arsenal bélico dos Estados Unidos. Xi Jinping passou um excelente recado ao mundo, sem meias palavras: « esse desfile é uma demonstração de soberania, segurança nacional e união do povo chinês ». E destacou ainda: «é um ato de defesa e não de agressão».

Olha aí a palavra da moda: «s-o-b-e-r-a-n-i-a». Mas no caso da China, não é uma palavra que vem desacompanhada, ela traz consigo o conceito de «segurança nacional» e mostra armas (muitas) em desfile. Mensagem mais clara é impossível. Xi Jinping complementou: «a China não buscará hegemonia, mas também não permitirá ser intimidada”. Não foi um discurso vazio e muito menos ufanista, como é o caso dos discursos de Maduro na Venezuela. O Brasil que se cuide, pois seu discurso de soberania nacional não tem armas, não tem segurança nacional. São só palavras.

Ao que parece, o presidente chinês não só leu Maquiavel, mas definitivamente aprendeu a lição dada ao governante sábio: «a força militar é o fundamento da ordem política » . Como dizia Maquiavel, há 500 anos atrás: sem armas próprias, leis, tratados e alianças são frágeis. Para Maquiavel, a política é inseparável do conflito: a guerra não é um acidente, mas uma constante da vida humana e das relações entre Estados. A paz, por sua vez, é apenas um intervalo provisório entre guerras, e só pode ser mantida de forma estável se houver força militar dissuasória.

Em O Príncipe (caps. XII–XIV), Maquiavel argumenta que a base de todo Estado são boas leis e boas armas. Sem exércitos fortes, as leis perdem validade, pois não podem ser aplicadas. Apenas um exército nacional garante segurança e independência. Exércitos bem organizados não apenas defendem contra inimigos, mas também desencorajam rebeliões internas e asseguram a ordem civil. E nos tempos de hoje podemos acrescentar sem erro: arsenal tecnológico bélico é essencial, não só um exército de homens.

Essa lição Lula não aprendeu (ou esqueceu?) e ainda teima em bater de frente com os Estados Unidos. Nem mesmo uma boa aliança com a China vai garantir ao Brasil a tal soberania nacional. Aliar-se a um país distante geograficamente não nos garante nem segurança nem independência. A soberania nacional brasileira é hoje uma bela palavra grafada no dicionário, sem qualquer efeito prático. Muito bonita como discurso para a ONU.

Vamos voltar ao sábio filósofo florentino. Maquiavel sustenta que os governantes devem preparar-se para a guerra mesmo em tempos de paz. O governante prudente deve estudar a guerra como sua única arte verdadeira, não apenas em campo de batalha, mas também por meio da história e da geografia, para aprender estratégias e evitar erros. A preparação militar funciona como dissuasão: quando um Estado mostra força, os vizinhos hesitam em atacar, e assim se preserva a paz.

Só ter boas leis não basta, é preciso boas armas. “Os fundamentos de todos os Estados, tanto novos como velhos ou mistos, são boas leis e boas armas; e como não pode haver boas leis onde não há boas armas, e onde há boas armas é necessário que haja boas leis…” (O Príncipe, XII). O Brasil não tem nem boas leis nem boas armas.

Nas relações internacionais, o Brasil conta com a «fortuna», termo que Maquiavel dá à sorte e ao acaso. Porém, a capacidade de um governante deve ser fundada na «virtù», termo italiano que Maquiavel usa para caracterizar a força, a habilidade e a prudência de um governante. A capacidade de manter a paz armada se relaciona à virtù (força, habilidade e prudência do governante) em oposição à fortuna (acaso, sorte).

Aquele que se apoia apenas na fortuna ou em acordos diplomáticos frágeis corre risco de ruína; quem organiza um exército sólido transforma a fortuna em oportunidade controlada. A guerra, para Maquiavel, é o teste supremo da «virtù» de um governante. A paz depende da guerra: só se mantém paz quando se está preparado para a guerra (O Príncipe, XIV).

Kazuo S. Koremitsu é economista com doutorado em Direito.

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