Continuarei insistindo, insistindo. Mesmo por acreditar ser preciso dar murros em ponta de faca. Pois, ainda que se machuque a mão, haver-se-á de conseguir a faca entorte. Precisamos – e com urgência crescente – transmitir, às novas gerações, a realidade que contraria equívocos atualmente cometidos. Um exemplo gritante, até mesmo doloroso: o de considerar o “Véu da Noiva” a queda d´água do córrego do Mirante, abaixo do Salto. Que se não faça mais isso!
O “Véu da Noiva” surge do histórico poema “Piracicaba”, do célebre Brazílio Machado, no qual ele criou o epíteto imortal “Noiva da Colina”. O véu dessa nossa tão amada noiva é o manto da neblina cantado nos primeiros versos:
“Sacode os ombros nus, ó Noiva da Colina/ Que a luz da madrugada encheu o largo céu/ E arranca-te das mãos o manto da neblina/ Que ondula sobre o rio, enorme e solto véu...”
Até a comovedora canção – tornada hino oficial da cidade – tem sido confundida com outra, o também tocante “Rio de Lágrimas”. Mas, em todo o Brasil, ressoa a “Piracicaba, que eu adoro tanto...” A nossa, “cheia de flores, cheia de encanto”, do sofrido Newton de Mello. Como, pois, ignorar essa, por assim dizer, sagrada canção? Há quem tenha pretendido até mesmo violar nossas origens seculares, as margens do rio que nos dá seu nome! Assusta, machuca!
A nossa fervorosa e valente torcida do XV, o simbólico “Nhô Quim”, adotou o “cáchara de forfe” como seu grito da fogosa paixão. Aí estão, também, o ardor, o orgulho de nossa caipiracicabanidade. Até esse nosso “brado retumbante” tem a sua história, por cômica possa ser. E aconteceu – parece incrível ao escrevinhador – há 70 anos. Há exatos 70 anos, em 1955! Foi quando, aqui, se realizaram os Jogos Abertos do Interior, sensação à época, num ano que daria início a um novo desabrochar de Piracicaba. Foi quando, também, iniciamos a grande jornada do basquetebol que nos daria Wlamir, Pecente, Maria Helena, Heleninha e, depois, Paula, Branca, outras e outros – estrelas que brilharam internacionalmente.
1955, os 1950... Sem que ainda soubéssemos, estávamos nos “anos dourados”. Foi como se, especiais em seus brilhos, estrelas tivessem despencado dos céus. O mundo encantara-se em transformações também culturais. Filmes – que, hoje, seriam considerados ingênuos – motivaram o que se transformaria em verdadeiras revoluções de costumes. Marlon Brando, James Dean, “Sementes da Violência”, “Juventude Transviada”, Marilyn Monroe... E a explosão do “rock´n roll”, também no filme “Sementes da Violência”, com a música irresistível “Rock Around The Clock”. E acontecia a presidência de Juscelino Kubitschek.
Aqueles Jogos Abertos sacudiram Piracicaba com o vigor de uma juventude que se via participante de estimulantes experiências sócio-político-econômicas. A população animava-se com a expectativa da posse de seu novo prefeito eleito, Luciano Guidotti. Até o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, parecia esquecido.
Digamos que os brasileiros havíamos renunciado à tristeza e amarguras que nos machucavam.
Um dos desfiles dos Jogos aconteceu no então “Estádio do XV”, na rua Regente Feijó. Foi quando jovens campineiros, à passagem dos atletas piracicabanos, começaram a gritar: “Cáchara de forfe, perna de barata, carcanhá de pato – Peracecaba”. Nunca mais me esqueci, pois – ainda aluno salesiano – o escrevinhador estava lá com os colegiais da cidade. Adolescentes, não suportamos a zombaria. E devolvemos a agressão, chamando os campineiros de... Bem, daquele animal formoso que tem chifres na cabeça, macho da corça. Foi assim.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.