Perceber o corpo é uma experiência inevitável, todos os dias sentimos batimentos cardíacos acelerados após subir uma escada, pequenos incômodos no estômago depois de uma refeição mais pesada, músculos tensos após uma noite mal dormida e esses sinais fazem parte da vida e, em geral, desaparecem sem maiores preocupações. No entanto, para algumas pessoas, essas sensações físicas não são vistas como variações naturais, mas como potenciais ameaças. Surge então a chamada hiper atribuição emocional ao corpo, quando cada sinal é interpretado com intensidade desproporcional e carregado de emoção, principalmente medo e ansiedade.
Esse fenômeno ocorre porque o corpo e a mente estão intrinsecamente ligados, as emoções influenciam sensações físicas e ao mesmo tempo as sensações físicas influenciam emoções. Quando alguém vive em constante estado de alerta, seja por ansiedade generalizada ou por episódios de hipervigilância, o corpo passa a ser monitorado de forma exaustiva e nesse contexto qualquer sinal ganha relevância exagerada. Uma palpitação pode ser lida como risco de infarto, uma dor de cabeça leve pode despertar o temor de um problema neurológico, uma tontura passageira pode parecer o início de uma doença grave.
O problema é que essa leitura emocional não se restringe a um pensamento isolado, ela aciona o sistema de alarme interno, aumentando ainda mais a ansiedade e a ansiedade, por sua vez, gera novas sensações físicas: aceleração dos batimentos, aperto no peito, falta de ar, sudorese. E essas novas sensações voltam a ser interpretadas como sinais de perigo, então, forma-se assim um círculo vicioso, em que a pessoa se sente cada vez mais aprisionada dentro do próprio corpo.
Esse padrão de hiper atribuição emocional costuma gerar exaustão física e mental. Viver sob constante desconfiança dos sinais do corpo desgasta a energia, amplia o estresse e tira o prazer da rotina. Muitas vezes, a pessoa passa a evitar atividades simples, como exercícios físicos, viagens ou encontros sociais, com medo de que algum sintoma apareça e se transforme em emergência e com isso, o mundo vai se estreitando e a vida perde sua leveza.
É importante destacar que não se trata de fraqueza ou exagero, a hiper atribuição emocional ao corpo é fruto de um funcionamento psíquico marcado pela sensibilidade e pela dificuldade de lidar com a incerteza. O desejo de estar seguro e a necessidade de controle fazem com que o corpo se torne palco de constantes avaliações.
O caminho para lidar com esse fenômeno envolve aprender a ressignificar a relação com as próprias sensações. Psicoeducação é uma das ferramentas mais valiosas: compreender que o corpo produz sinais o tempo todo e que a maioria deles não é patológica ajuda a reduzir a urgência de interpretá-los como ameaça. Estratégias de autorregulação também são fundamentais. Exercícios de respiração, práticas de mindfulness e momentos de pausa durante o dia podem trazer ao organismo a lembrança de que nem tudo precisa ser luta ou fuga.
Além disso, ampliar o repertório de experiências positivas ajuda a quebrar o ciclo da hipervigilância e como sugestão trago caminhadas ao ar livre, atividades criativas, contato com pessoas queridas e movimentos corporais prazerosos podem transformar a forma como o corpo é percebido. Ele deixa de ser um inimigo a ser vigiado e passa a ser um parceiro de vida.
A hiper atribuição emocional ao corpo não desaparece da noite para o dia, mas pode ser suavizada com paciência, autocuidado e quando necessário, acompanhamento terapêutico. Reconhecer esse funcionamento já é um primeiro passo importante, afinal, quanto mais conseguimos acolher nossas sensações sem transformá-las em catástrofes, mais espaço abrimos para viver de forma plena, sem medo constante do que o corpo possa nos dizer.
Com carinho, Fabiane Fischer.
Fabiane Fischer é especialista na recuperação de dependentes químicos, abusos e compulsões.