Político que cospe no prato em que comeu dificilmente encontra espaço para seguir adiante. A ingratidão, na vida pública, cobra um preço sempre elevado, e a traição costuma deixar cicatrizes que não se apagam com o tempo. O eleitor pode até relevar um escândalo passageiro, uma decisão impopular ou até um erro de gestão, mas não perdoa aquele que abandona os próprios aliados, que renega as mãos que o ergueram e finge não reconhecer quem o ajudou a construir sua trajetória. O ser humano, em geral, pode ter memória curta, mas na política a marca da deslealdade se grava como ferro em brasa.
A história universal está repleta de exemplos. Brutus, ao cravar sua adaga em Júlio César, acreditava estar salvando Roma de um governante que julgava tirano. No entanto, sua imagem atravessou séculos como sinônimo da mais abjeta traição. Morreu sem glória, desonrado, lembrado apenas como aquele que golpeou pelas costas o homem que nele confiava. O gesto, que deveria ser um ato de libertação, transformou-se em um fardo eterno. Da Antiguidade ao presente, o destino de quem rompe com a lealdade parece seguir roteiro semelhante: o poder pode até ser conquistado momentaneamente, mas a confiança se esvai, e a ruína chega cedo ou tarde.
O Brasil também oferece lições eloquentes nesse sentido. Getúlio Vargas, ainda que figura controversa, enfrentou de perto a deserção de correligionários que, em busca de conveniência, abandonaram o projeto que até então defendiam. Juscelino Kubitschek, símbolo de otimismo e modernidade, igualmente experimentou o amargo gosto da ingratidão de aliados que, diante de ventos contrários, preferiram virar a casaca a permanecer fiéis. Em diferentes épocas, a política nacional já mostrou que, quando a lealdade é quebrada, o castelo de alianças se desfaz como areia levada pelo vento.
E se olharmos para tempos mais recentes, o cenário não muda. Presidentes, governadores, prefeitos, todos, em algum momento, viram-se cercados de desertores. São aqueles que se apresentam como “fiéis escudeiros” na vitória, mas que no primeiro sinal de tempestade abandonam o barco. Em muitos casos, esses mesmos personagens terminam esquecidos, sem cargo, sem poder e sem voz, pois a memória do eleitor — e até mesmo dos novos aliados — não os enxerga mais como figuras de confiança. Quem trai uma vez, trai de novo, e a política não costuma dar segundas chances para quem carrega a marca da deslealdade.
Piracicaba, hoje, vive o seu capítulo dentro dessa velha narrativa. Figuras locais, que chegaram onde estão apoiadas na força e no suor de grupos inteiros, agora, uma vez acomodadas em cargos e posições de destaque, fingem não reconhecer os rostos que as carregaram até lá. Comportam-se como se tivessem escalado sozinhas uma montanha que, na verdade, só foi vencida porque muitos ombros se dispuseram a sustentar o peso da subida. Esse cálculo, aparentemente esperto, pode render manchetes passageiras, posições em gabinetes ou até alguns minutos de poder. Mas o custo é alto: corrói as bases, afasta os antigos aliados e abre espaço para que novos nomes, ainda desconhecidos, ocupem o vazio deixado pelo descrédito.
A ingratidão na política não é apenas um ato individual, mas um veneno que contamina a própria dinâmica coletiva. Uma cidade, uma comunidade, um grupo de apoiadores não esquecem quando alguém vira as costas para quem o amparou. O traidor pode até acreditar que controla a narrativa, que domina o palco e que conseguirá reescrever a própria história. Contudo, a plateia observa atenta, registra cada movimento e, no momento adequado, cobra a fatura. E a cobrança vem nas urnas, onde não há desculpas, apenas o veredito silencioso da exclusão.
O ingrato, no fim, descobre que a política sem base é uma política sem alma. Pode até continuar discursando, buscando palanque, circulando em eventos sociais, mas a solidão será sua companheira inevitável. Sem respaldo, sem confiança, sem credibilidade, resta apenas o eco da própria voz. A vida pública, sem alianças verdadeiras, torna-se um deserto árido, incapaz de sustentar projetos ou carreiras duradouras.
Piracicaba, assim como tantas outras cidades ao longo da história, já aprendeu e continua ensinando que a ingratidão não se sustenta. O traidor, cedo ou tarde, termina isolado, reduzido a uma caricatura do que poderia ter sido. Porque política, em essência, é construção coletiva. E quem cospe no prato em que comeu, quem trai seus próprios companheiros, não apenas perde o alimento: perde também o futuro.
Edvaldo Brito é jornalista, empresário e secretário-geral estadual do Partido Avante em São Paulo.