Saberíamos, realmente, o que estamos fazendo? O porquê disso tudo? Ou – simplesmente e por fim – aceitamos estar no mundo apenas para sobreviver? Assim fosse, qual, então, o sentido de um “viver por viver” e, não, o do “viver para viver”? Convenhamos: até a estupidez tem seus limites.
Este perplexo observador não mais acredita em harmonia global. E, também, nem mesmo em comunhão de interesses coletivos quando a coletividade se torna multidão. Piracicaba já se faz multidão. Somos diversas cidades numa só. Cada bairro vai-se tornando realidade autônoma, com seus próprios costumes, suas maneiras de ser. Permanecem vivas as interligações, a coexistência urbana. A convivência, no entanto, limitou-se a setores exíguos, notadamente em habitações verticalizadas e em condomínios. Mesmo assim, o convívio ainda se revela claudicante, como que à espera de consolidarem-se as novas experiências sociais. A resistência ao descaso ao próximo parece estar entre os mais desfavorecidos.
O de que, costumeiramente, nos esquecemos é o fato de as cidades serem entidades vivas, corpos pulsantes. E de que – nesta nova e vertiginosa época – mais do que simples mudanças, estamos diante de grandes transformações. Ora, corpos pulsantes, ao se transformarem, transformam-se por inteiro. Logo, as grandes e médias cidades – mais intensamente do que em outras eras – passam por transformações desafiadoras dos poderes públicos. Pois, problemas, desigualdades exigem políticas governamentais e legislativas ainda não exercidas. Uma dramática questão: como sobreviverão as camadas populares alheias às exigências da ciência e tecnologia?
Tal é a complexidade, que não mais se pode esperar por respostas imediatas. É uma nova aventura rumo ao desconhecido, ainda que se façam previsões e possibilidades. O próprio conceito de democracia liberal está posto em jogo. Mas se trata de um questionamento necessário, não como abolição dela mesma. Os corpos pulsantes de cidades reclamam por atendimentos urgentes. Muito do que se fazia por espírito de fraternidade, tornou-se necessidade premente. Preocupa, porém, a primazia do individual sobre o coletivo. A sociedade surgida do neocapitalismo já se deixou superar por sua incapacidade – ou propósito – de promover estruturas mais justas. Os “ismos” mostram-se – à luz dessa verdadeira revolução científico-tecnológica – quase todos superados.
Nossas lideranças – algumas das quais apenas despontando – são desafiadas a enfrentar o ainda indefinido. Por assim ser, cabe-lhes assumir a consciência de suas próprias limitações. Em política, especialmente, deixou de existir o personalismo que – ainda e entretanto– sobrevive em pequenos núcleos partidários. A figura do “pai dos pobres”, do “político assistencialista” escapa à grande maioria da população, embora ainda sobreviva um eleitorado que se deixa cooptar por promessas até mesmo de doçuras celestiais.
Saberíamos, pois, o que estamos fazendo? Como sobreviveria uma cidade em que seus habitantes cuidariam apenas de seu corpo físico, esquecidos de sua alma? Piracicaba é uma história da qual somos, apenas, personagens passageiras. A alma piracicabana surgiu de construções do amor de nossos ancestrais. E é, ainda, mais pulsante do que o corpo, no esbanjamento de belezas e de acolhimento.
Basta um vizinho pedir a outro, seja onde for: “Pode me emprestar um ovo?” E tê-lo-á.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.