Acostumar-se a Trump sem ser norte-americano é uma das tarefas mais difíceis que existe. O mundo tornou-se outro. Não vamos aqui avaliar se é para o bem ou para o mal. Mas alguns julgamentos de valores não fazem nenhum sentido, mas mesmo assim são pronunciados por muitos: são julgamentos entre o certo e o errado, entre o justo e o injusto. Mas até agora não vi ninguém questionando o mais importante: pode Trump fazer o que faz? E esse poder deriva do sentido dado à expressão americana: « I can » , que significa simplesmente « Eu posso » , mas no sentido de capacidade e não de permissão.
Pois é, os atos de Trump, sem dúvida, nos acordaram para uma nova realidade, qual seja, de quão poderoso é os Estados Unidos da America. Até então criticávamos o tal «imperialismo norte americano», porém essa crítica sempre foi vazia, pois os EUA nunca exerceram de fato seu poderio. Agora estamos vendo a real extensão dele. E não é pequena. Os EUA não é só uma potência bélica, mas também o é uma enorme potência financeira, capaz de pôr o mundo em desordem.
Trump não é burro nem louco, apesar de parecer os dois. É alguém que quer mostrar ao mundo (ainda que os americanos tenham que pagar essa conta) qual fortes eles são. Quem é o tal macho alfa num mundo sem uma liderança internacional.
A guerra das tarifas comerciais é uma bravata que mais prejudica o consumidor norte americano dos que os países exportadores. Mas, ainda assim, prejudica muito os países exportadores. E é ai que ele ganha a batalha comercial. Nada como mostrar os dentes no início ara depois negociar. É uma conhecida tática de barganha.
O comércio é sempre racional, ao menos no médio prazo.
No curto prazo pode até haver perdas, mas o ganho econômico é sempre a meta final. Se Trump realmente não é louco como parece ser (e isso é uma brilhante jogada de marketing), ele quer mostrar ao mundo (novamente) quão relevante é fazer comércio com os EUA. E quem manda é o consumidor, por isso quem compra mais pode barganhar o preço.
Impor tarifas de importação ao Brasil e a outros países só tem a ver com essa reflexão: quando você (país) perde sem ter os EUA como bom parceiro comercial? Se você nada (ou pouco) perde a barganha não terá o efeito desejado. Mas se é o contrário, a barganha tem efeito garantido. Num primeiro momento, subir tarifas comerciais é uma tática completamente suicida, pois pune mais o consumidor do que o vendedor. E o consumidor é o povo americano. Mesmo assim, Trump usa dessa ferramenta econômica inadequada para mostrar seu poder. Não há aqui qualquer julgamento de justiça ou de certo/errado a ser feito. É apenas uma escolha que ele (Trump) pode sim fazer, pois lhe é discricionário. O real motivo é uma batalha econômica, mas aproveita-se da medida econômica para fazer uma batalha política e descobrir quem serão (no futuro) seus aliados e quem serão seus inimigos.
Para responder a pergunta do título, sim, Trump pode fazer o que fez. E esse « pode » éno sentido de ter a capacidade. E essa decisão não é passível de crítica por nós brasileiros, pois não depende de nós. É totalmente unilateral. Está dentro do escopo de poderio dos EUA. Poderio esse, diga-se, que até agora nunca foi usado.
Se Trump deve (ou deveria) fazer o fez só cabe a ele e ao povo americano responder essa pergunta. É um tiro no pé, no ponto de vista econômico, pois tarifas protecionistas só criam privilégios para alguns e arrefecem o crescimento econômico.
Mas ao que parece, Trump usa dessa arma com outros objetivos, afinal uma terceira guerra mundial está na ordem do dia. Só não vê quem não quer.
Para o Brasil, a questão vai além do pode ou não pode. Como diria o filósofo estoico: como devo reagir a algo que está alheio a meu controle? A resposta a essa pergunta é o X da questão. Mas ficará para um próximo artigo.
Kazuo Koremitzu é economista com doutorado em Direito.