ARTIGO

A “Jumentude” e a Juventude

Por Walter Naime |
| Tempo de leitura: 2 min

Dizem que juventude é sinônimo de vigor, novidade e futuro. Mas nos tempos de hoje, parece que estamos diante de uma mutação social: o surgimento da jumentude. Um bicho novo, mas velho de espírito. Não nasceu no campo, e sim nos corredores digitais, nos grupos de mensagens rasas e nas decisões instantâneas, impensadas.

Mas afinal, o que é essa tal de jumentude? A palavra vem da inspiração zoológica: o cruzamento entre um jumento (ou asno) e uma égua, cujo resultado é o famoso burro ou mula. Um animal híbrido, estéril, produto da força bruta da natureza domesticada pela inteligência humana. O jumento é símbolo de persistência, resistência e teimosia tanto que virou sinônimo de ignorância. A égua, por sua vez, representa elegância e velocidade. A união desses dois seres tão distintos gerou um animal forte, útil, mas que não pode gerar descendentes.

E por que não procria? Porque é híbrido: um cruzamento genético entre espécies diferentes. A natureza não programou continuidade para essa mistura. O burro e a mula são fim de linha, ferramentas criadas pela necessidade humana de ter força e obediência, sem riscos de multiplicação.
Essa seleção artificial foi fruto da engenhosidade humana. Uma estratégia para obter um ser dócil e resistente, sem instintos reprodutivos, voltado unicamente ao trabalho. Na história, foram cruciais no arado, no transporte, na lida rural. Representam a força bruta domesticada útil, mas sem futuro.

Agora, voltando à jumentude, esse novo ser que brota nas redes, nas festas padronizadas, nas academias onde se malha o corpo mas se esquece da mente, vemos uma geração forte, conectada, cheia de músculos, mas cada vez mais estéril em pensamento.

Juventude, no ciclo humano, é a fase do aprender, questionar, errar e construir identidade. É o momento em que se amplia a mente, em que se imagina um mundo melhor. Mas, se todos os desejos são entregues de bandeja, se não se precisa esperar, buscar, criar, a mente atrofia.

Está a juventude moderna se transformando numa jumentude? A força física, a estética exagerada, a idolatria do “saradão” podem estar suplantando a reflexão, o estudo, a criatividade. Se o corpo vale mais do que a ideia, o músculo substitui o cérebro.

E as academias? Crescem, prosperam, viram templos. Enquanto isso, as escolas perdem alunos, as universidades enfrentam cortes e o livro vira peça decorativa.

Essa é a tragédia: uma juventude transformada num híbrido sem futuro. Estéril de pensamento, dócil às ordens de consumo, resistente à crítica, mas incapaz de gerar ideias novas.

Para evitar essa degeneração, esse cancelamento do humano como ser pensante é urgente revalorizar o pensamento, o estudo, a arte, o tempo do tédio criativo. É preciso entender que um corpo saudável é ótimo, mas uma mente viva é insubstituível.

Nossa crônica alerta àqueles que podem alterar o rumo das coisas. Ao contrário de quem fica por último, fecha a porta e apaga a luz, abrimos a porta e acendemos a luz. Para que a juventude não se perca na sombra da jumentude.

Walter Naime é arquiteto-urbanista e empresário.

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