O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo é uma das instituições culturais mais antigas e respeitáveis do nosso Estado. Foi fundado em 1873 por iniciativa pessoal de D. Pedro II (que se inspirou no Lycée d'Arts et Métiers, de Paris). Na mesma ocasião, a Princesa Isabel estava tomando os primeiros contatos com São João Bosco, para a vinda dos missionários Salesianos para o Brasil. Somente dez anos depois, em 1883, se concretizaria a vinda desses educadores italianos, que se estabeleceram inicialmente em Niterói e, depois, vieram para São Paulo e se espalharam por todo o Brasil.
Essas iniciativas do Imperador e de sua filha faziam parte de um projeto mais amplo, de proporcionar a jovens de poucos recursos e a descendentes de antigos escravos o que hoje em dia se chama "educação profissionalizante". Na ótica e nos planos da Princesa Isabel, essa educação era passo importante para a plena e condigna integração, na vida social e econômica brasileira, dos antigos escravos que nas décadas de 1870 e 1880 iam adquirindo, em número crescente, sua emancipação.
Em São Paulo, a iniciativa imperial encontrou boa acolhida em membros das elites cafeeiras, que se empenharam para que o Liceu se tornasse uma realidade.
Marcenaria, escultura, pintura, fundição de ferro e bronze, encadernação e cerâmica foram especialidades lecionadas no Liceu, que formou gerações de excelentes artesãos e cuja história registra a passagem de nomes como Victor Brecheret, Santos Dumont e Ramos de Azevedo.
Durante muito tempo, o mobiliário das melhores casas de São Paulo, sem falar em escritórios e edifícios públicos, foi produzido nos ateliês do Liceu. Mesas, sofás, armários, guarda-roupas, estantes, lustres, corrimãos, grades - tudo o Liceu produzia, com sua marca inconfundível de bom gosto e qualidade. Este artigo mesmo, que o leitor está tendo a paciência de ler, foi escrito numa escrivaninha de madeira de lei, produzida no Liceu há mais de 80 anos, por encomenda de um diretor de banco. Depois de ter servido a esse banqueiro e ter passado por um escritório de engenharia, acabou chegando às mãos deste modesto escrevinhador.
O trabalho de entalhe da porta da Catedral de São Paulo foi inteiramente executado no Liceu. Igualmente o foram as ferragens e lustres do Teatro Municipal. Também a estátua do Duque de Caxias, na Praça Princesa Isabel, foi modelada e fundida no Liceu, num laborioso trabalho que durou vários anos.
O Liceu é uma entidade privada, sem fins lucrativos, e nunca cobrou qualquer tipo de mensalidade dos alunos. Para manter o ensino profissionalizante gratuito, desde princípios do último século existe uma empresa comercial, a LAO Indústria, que tem como objetivo arrecadar fundos para o Liceu.
Essa empresa se tornou muito forte, especialmente na produção de hidrômetros e medidores de gás - artigos que passou a vender para todo o Brasil e para muitos países da América Latina. As esquadrias de sustentação do MASP, na Av. Paulista, foram produzidas pela LAO, assim como o revestimento de aço do edifício-sede da Petrobrás, no Rio de Janeiro, e muitas peças metálicas do Metrô de São Paulo e dos aeroportos do Rio e de Guarulhos. Quiosques de caixas eletrônicos de bancos também fazem parte da linha de produção da empresa.
As atividades da LAO Indústria garantiram ao Liceu décadas de estabilidade econômica, com o que os cursos gratuitos puderam ser tranquilamente mantidos.
Desde a última década do século passado, entretanto, uma sucessão de fatores contrários abalou essa estabilidade. De início, a globalização da economia, com a decorrente invasão do mercado por produtos chineses baratos e de péssima qualidade, prejudicou a venda de alguns produtos da LAO. Depois, a mudança de política do Governo no tocante à isenção de impostos para empresas sem fins lucrativos, e um incêndio ocorrido em 2014 também repercutiram de modo muito negativo nas finanças do Liceu, mas não o abateram. Ele prossegue ativo em 2025, focado em sua missão primordial, que é ministrar gratuitamente educação profissional e humana de excelente nível.
Armando Alexandre dos Santos é doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Piracicabana de Letras e do IHGP.