IVANA NEGRI

‘Escrever é um ato mágico, num momento sublime’

Por Erivan Monteiro | erivan.monteiro@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 11 min
Claudinho Coradini/JP
Ivana: 'A poesia surge como se fosse uma música'
Ivana: 'A poesia surge como se fosse uma música'

A renomada professora e escritora Ivana Maria França de Negri é pura inspiração! Seus livros, crônicas e artigos cativam, ao longo dos anos, os piracicabanos e a todos os outros que já tiveram contato com suas obras. Casada há 51 anos com o médico Cássio Camilo Almeida de Negri, mãe de três filhos (Cássio Fernando, Ana Camilla e Ivan Gabriel) e avó de cinco netas (Mariana, Talita, Ana Clara, Ana Laura e Ana Liz), Ivana segue firme a sua missão propagar a sua arte.

Para ela, “a poesia surge como se fosse uma música”. “Encontro inspiração em tudo, pode ser uma folha caindo, um ipê florido, uma nesga de céu, uma estrela solitária, um raio de luar, o riso puro de uma criança, um pôr-do-sol, o cheiro da chuva, o perfume de uma flor, uma lágrima, um animalzinho perdido”, declara Ivana, que escreve desde os 10 anos de idade, quando ganhou um concurso infantil em Piracicaba.

Artista com incontáveis premiações, Ivana tem, entre livros e coletâneas, mais de 50 obras publicadas. Isso sem contar suas crônicas e artigos publicados em jornais. Durante muitos anos colaborou com o Jornal de Piracicaba. Foi coordenadora da página de literatura “Letras e Rimas” do JP por cinco anos consecutivos. Também foi responsável, durante dez anos, por uma coluninha dedicada às crianças no suplemento infantil do Jornal de Piracicaba.

Seu mais recente trabalho é uma edição para as crianças com as Lendas e Personagens Folclóricos de Piracicaba. Essa obra foi lançada neste mês e também será destaque na Flipira (Festa Literária de Piracicaba), que será realizada em outubro, no Engenho Central. Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista. 
    
Professora, quando começou a paixão pelas letras? Quando eu tinha 10 anos, ganhei o primeiro lugar num concurso infantil de poesias muito concorrido, que era promovido pelo Diário de Piracicaba. E a premiação era em dinheiro. Acho que 5 mil cruzeiros; era um bom dinheiro na época, pois naquele ano minha mãe comprou todo material escolar, uniforme e sapatos. Esse concurso de poesias de Natal era patrocinado pela Codistil e Mausa. Lembro de ter ganhado outros prêmios, em outros anos, na categoria escultura infantil.
 
Mas, antes de se dedicar por completo à arte de escrever livros, você fez muitos artigos, não? Casei aos 18 anos, e fui morar em Brasília, pois meu marido ainda cursava medicina na UNB. Por vários anos “hibernei” e me dediquei aos filhos pequenos, deixando de lado a inspiração poética. Depois da formatura e residência, voltamos para Piracicaba com dois filhos brasilienses. O terceiro filho é piracicabano. Comecei a fazer trabalho voluntário na Sociedade Piracicabana de Proteção aos Animais e lá permaneci por 15 anos, pois animais são uma de minhas paixões. Eu escrevia alguns artigos sobre animais e eram publicados no Jornal de Piracicaba. Inclusive, acabei criando muitas polêmicas escrevendo contra rodeios, queimadas de cana, gatos abandonados no cemitério - problema muito antigo e recorrente - e sobre vegetarianismo, outra de minhas bandeiras. Sou vegetariana há mais de 40 anos. Na época, conheci a poetisa Maria Cecília Bonachella, que também gostava muito de animais e começou a publicar minhas poesias em sua página semanal no Jornal de Piracicaba. E juntei duas coisas que gosto, poesia e animais. Cecília me convidou para frequentar o CLIP - Centro Literário de Piracicaba, e pouco depois acabei entrando em outro grupo literário, o GOLP - Grupo Oficina Literária de Piracicaba.  E não parei mais de escrever, tanto prosas como poesias.

Você tem uma “vida” dedicada à produção literária... Estudei bastante, li muito, e fui me aperfeiçoando nessa arte. Participei de inúmeros concursos tendo 84 premiações em importantes certames de vários estados e alguns de outros países. Ganhei três troféus do Escriba, o maior concurso de Piracicaba. E as coisas foram fluindo, fui publicando livros, participando de antologias e acabei sendo agraciada com várias condecorações como a Medalha de Mérito Cultural da Sociedade Sírio Libanesa, na primeira edição do prêmio, Medalha de Mérito Cultural do Núcleo MMDC/32, Medalha de Mérito Cultural do Clube dos Escritores e Medalha de Mérito Cultural Branca Motta de Toledo Sachs, outorgado pela Secretaria de Cultura. Recebi Moção de Aplausos pelos 15 anos da Sociedade de Proteção aos Animais, Moção de Aplausos pelas mil edições da Prosa e Verso e como integrante da diretoria da Academia Piracicabana de Letras na comemoração dos 50 anos da entidade. Também gosto muito de fotografar, e mesmo antes dos celulares, já fotografava os eventos literários e as viagens com uma pequena Canon. Gosto muito de viajar pois conhecer outras culturas, outras gastronomias, é expandir os horizontes. Já visitei vários países como Índia, Egito, África do Sul, Polônia, Turquia, Itália, Portugal, França, Croácia, Noruega, Dinamarca, Estônia, Finlândia, Chile, Paraguai, Canadá, EUA, Holanda, Inglaterra, Suécia, Suíça, Cracóvia, Alemanha e outros... E sempre que retorno, monto um álbum com muitas fotos de cada viagem. Se ficarem só no celular, acabam se perdendo. Ganhei alguns concursos fotográficos e minhas fotos já foram capas de várias revistas da APL e alguns livros.

Quantas obras publicadas, Ivana? Entre livros e coletâneas publicadas, são mais de 50. Escrevi prefácios para vários amigos escritores entre eles Lino Vitti, Henrique Cocenza, Chico Mello, Carmen Pilotto, Leda Coletti, Ésio Pezzato, André Oliveira, Elda Silveira, Maria Emilia Redi, Evair Sousa, Dulce Fernandez, Luzia Stocco, Daniel Valim, Felisbino de Almeida Leme e o do meu marido Cássio Negri. Também sou membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. Tenho publicados livros de poesia, de contos e crônicas, mas depois que fiquei avó, tenho me dedicado a escrever para crianças.

Conte-nos essa experiência de ter suas netas (Ana Clara, Ana Laura e Ana Liz) como suas parceiras? Dá um orgulho tremendo, não? É muito gratificante; a gente aprende muito com elas, que nos passam uma energia boa. Eu e minha amiga Carmen Pilotto, também escritora, bolamos um projeto muito legal, que está completando 15 anos em 2025, que é o Projeto Livro com Pezinhos. Tem até mascote, que é uma centopeia gigante que se chama Leia. Esse nome foi escolhido por crianças num concurso. O projeto já distribuiu milhares de livros em eventos, na Flipira e nas escolas. A finalidade é fazer os livros caminharem. Livros esquecidos em gavetas, estantes, "adoecem", pois pegam mofo, traças, cupins, umidade e acabam indo para o lixo. Ao passo que o livro caminhante, está sempre saudável, pois é lido por várias pessoas. Distribuímos marcadores de livros, temos uma moldura para fotos e a Centopeia Gigante que levamos em todos os eventos e as crianças adoram. Tudo bancado por nós.

Fale um pouco sobre sua obra mais recente, que está sendo lançada neste mês... A coleção das Lendas e Personagens Folclóricos de Piracicaba teve como primeira ilustradora minha neta Ana Clara. E os últimos livros foram ilustrados pelas minhas netas gêmeas Ana Laura e Ana Liz, agora com 11 anos. São seis livros da coleção por enquanto. Quando vou escrever uma lenda, conto para elas a história para que possam criar os desenhos. Quando escrevi a Lenda do Túmulo do Padre Galvão, levei-as ao cemitério da Saudade para verem de perto o túmulo do padre.  Assim como as levei ao túmulo do Nhô Lica quando escrevi sobre esse personagem. Antes de ilustrarem o último livrinho, sobre a vida do Elias dos Bonecos, levei-as até a Casa do Povoador para conhecerem de perto os bonecos gigantes. Faço sempre todo um trabalho de pesquisa antes de recontar as lendas. Acho muito importante contá-las e recontá-las para que não se percam no tempo e caiam no esquecimento. Também tenho a colaboração de vários contadores de histórias da cidade espalharem as lendas. As escolas geralmente trabalham as lendas brasileiras no mês do Folclore, como a do Saci, Curupira, Mula-sem-cabeça e outras. Mas muitas se esquecem das lendas locais como a lenda da Noiva da Colina, da Inhala Seca, da Cobrona na Catedral, do Túmulo do Padre Galvão e dos personagens folclóricos como Nhô Lica e Elias dos Bonecos, entre tantos outros. Por isso as estou resgatando.

Além dos livros, você tem uma grande história na imprensa, em especial no JP... Como cronista, articulista e poetisa, colaboro no Jornal de Piracicaba desde 1996. Assino a página literária semanal “Prosa e Verso” há 25 anos na Tribuna Piracicabana. No início em parceria com Ludovico da Silva e após seu falecimento, alterno com a Carmen Pilotto. Fui coordenadora da página de literatura “Letras e Rimas” do Jornal de Piracicaba por cinco anos consecutivos, quando Maria Cecília Bonachella faleceu. Também fui responsável por uma coluninha dedicada às crianças durante dez anos no suplemento infantil do Jornal de Piracicaba (Jornalzinho) trabalhando na conscientização ambiental e curiosidades do reino animal. De início era “Amigo Bicho” e depois veio “Planeta Terra”. Sou articulista da Gazeta de Piracicaba desde sua fundação. Tenho vários blogs, sites e Instagram onde divulgo eventos e a produção literária dos grupos. Gosto de incentivar os mais novos que estão começando.

Como é seu processo de criação? Quanto ao processo de criação, a inspiração é como uma brisa suave que sopra as palavras no ouvido da gente. O coração dita e a mão escreve. A gente coloca a alma na ponta da caneta e começa a escrever, ou dedilha as teclas do computador como se estivesse tocando um piano. E a poesia surge como se fosse uma música. Encontro inspiração em tudo, pode ser uma folha caindo, um ipê florido, uma nesga de céu, uma estrela solitária, um raio de luar, o riso puro de uma criança, um pôr-do-sol, o cheiro da chuva, o perfume de uma flor, uma lágrima, um animalzinho perdido...A vida inspira! E quanto mais se escreve, mais farta brota a inspiração. Acho que nunca tive a síndrome da folha em branco, de ficar olhando para o papel e nada surgir. Nos períodos férteis, as ideias surtam como pipoca. E a gente tem ciclos de floração maior, mais abundante e outros mais áridos, melancólicos, dependendo de como anda a nossa vida e do que vai no nosso íntimo. Nos períodos de felicidade extrema a gente cria textos alegres, leves e mais poéticos, e nos períodos mais tristes, de muita dor, nascem as obras reflexivas e carregadas de emoção. A gente aprende a ouvir o silêncio e a enxergar a verdadeira essência das coisas na penumbra. O escritor sente uma dor, uma angústia, uma espécie de sufocamento, que só melhora quando as palavras fluem e o texto vai tomando forma. Às vezes, a pena enlouquecida não para de deslizar no papel até que se termine a obra. Sai tudo de uma vez. E daí surge uma paz, uma tranquilidade... Escrever é um ato mágico, num momento sublime. E contemplar um livro acabado é como ver um filho muito aguardado nascer. Os textos criam asas, voam, pousam nas mentes dos leitores e frutificam em novas ideias. Esse é o retorno. Saber que você foi responsável pela germinação de uma sementinha boa no coração de alguém.

Você é membro da APL. Há alguma novidade da entidade para os próximos meses? A Academia Piracicabana de Letras, em parceria com os outros grupos literários CLIP e GOLP e também com a colaboração da Prefeitura, através das secretarias de Cultura e Turismo e Biblioteca Municipal, realiza anualmente a Flipira, Festa Literária de Piracicaba que está em sua sexta edição, e só cresce a cada ano. Sou uma das organizadoras desde a primeira edição. A novidade deste ano é a mascote Flipirinho, o Peixinho Leitor. A idealizadora da Flipira é a escritora Raquel Delvaje e o espaço infantil Flipirinha foi sugestão minha. A Flipira conta também com a Flipteen, com atrações para os jovens e será realizada em outubro nos dias 17 (abertura) 18 e 19 no Engenho. Ainda buscamos patrocinadores para que a festa seja maior e melhor do que a anterior. Também participo do Projeto Viajando na Leitura, do Sarau das Artes que é realizado em parceria com o Museu Prudente de Moraes e das oficinas mensais na Biblioteca Municipal. Essas oficinas existem há mais de 35 anos e só pararam nos anos da pandemia, mas logo retornaram. Já foram realizadas no Engenho, na Casa do Médico e em outros locais. Piracicaba é pródiga na produção literária, tem vários lançamentos de livros por mês.

Como vê essa "concorrência" da Internet com os livros? Há espaço para os dois? Ainda não vejo como preocupante porque há muito interesse das pessoas por livros impressos. Só tenho um pouco de receio da Inteligência Artificial, que vai tirando o espaço de muitos artistas e outras profissões. Acho até que muitas serão extintas por conta da IA. Mas é tudo muito novo ainda, e acredito que as coisas vão se encaixando. Não se pode dar as costas ao novo, há que se abrir para novas tecnologias e acompanhá-las. Sempre foi assim. Prezo muito os livros que têm ilustrações criadas por artistas e não por IA.

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