Que nenhum afoito comentarista se atreva a criticar, pela ausência nos estádios, a histórica e incansável torcida do “Nhô Quim”. Há muito se sabe que a “História se repete como tragédia ou comédia”. E ambas, comédia e tragédia, nada mais são do que componentes do drama. O E.C.XV de Novembro – “glorioso esquadrão”, qual canta o hino – foi, tem sido, é um drama permanente no complexo teatro da vida piracicabana. Alegria e tristeza, orgulho e vergonha, grandeza e miséria. Mas de tal forma apaixonantes que sempre nos seduziram. “Na vitória ou na derrota...” – desde os seus primórdios.
Reconheço e assumo estar entre e ser como seus amantes desconsolados. O XV entrou-me na alma – e nas vísceras – ainda aos meus distantes 9 anos de idade. Foi em 1949, quando se sagrou primeiro campeão do Interior a chegar à divisão principal do futebol paulista. Era ele – o pequenino, o caipira – a estar entre os gigantes da grande paixão brasileira. Ah! lembro-me de tudo, por mais incrível, a alguém, possa isso parecer. Lembro-me até da escalação daquele time campeão, com uma que outra alteração: Ary, Elias e Idiarte; Pedro Cardoso, Strauss e Adolfinho; De Maria, Sato, Picolino, Gatão e Rabeca.
A antiga Piracicaba – mas sempre pujante, bela – explodiu de alegria. A conquista era mais do que um sonho: tratava-se do inimaginável. Como sequer ambicionar – ainda que em sendo Atenas – Piracicaba surgir também como Esparta do Interior? Mas, acontecera. E o nome do herói era o “XV”, apenas o “XV”. Que, rapidamente, a Gazeta Esportiva reconheceria como o “Senhor Quinze”, o “Sinhô Quinze”, o adorável caipira “Nhô Quim”.
Ah! a grande aventura. Era preciso, rapidamente, criar condições para o diminuto, mas amado, Estádio da Rua Regente Feijó – o “campo do XV” – receber os futuros jogos. Criar arquibancadas, ampliar o gramado, cobrir o estádio... Piracicaba mobilizou-se. Dia e noite, a população uniu-se para concretizar a reforma. Aquele menino de 9 anos – agora, velho escrevinhador – acompanhou o pai na desafiadora empreitada. E traz na recordação: sob a luz de holofotes clareando a noite escura, entregava um que outro tijolinho para o amado pai. Vencêramos! O “Nhô Quim” ganhara a eternidade esportiva.
Há, certamente, quem não mais se lembre. Mas, naquele campeonato, havia o chamado “Torneio Início”. Nele, apresentavam-se, ao público, todas as equipes participantes, jogando umas contra as outras. E – saibam, meninos! – o XV, naquela sua estreia entre os grandes, tornou-se Campeão do Torneio Início do Futebol Paulista. Foi como se os deuses do Olimpo, todos eles, tivessem pousado em Piracicaba.
Como é bom recordar! E, ao mesmo tempo, quão doloroso. Lá se foram mais de sete décadas de outra de nossas epopeias caipiras. Mais do que amor, quanta paixão despertou em nossa gente o pequenino gigante. A Rua Regente tornou-se conhecida como o “alçapão”, a “panela de pressão”. Nenhum dos chamados times grandes – com exceção, por alguns anos, do Palmeiras – resistiu àquele delírio, à simbiose entre atletas e torcedores. O trenzinho da Sorocabana passava quase ao lado, o maquinista fazia a máquina apitar, o estádio erguia-se em vozerio atordoante: era o momento em que o XV faria um gol. E – talvez, por influência daqueles deuses – o gol salvador surgia...
Agora, nos “quinzistas” velhinhos, parece acontecer um certo cansaço de amar. É como se fosse aquele “amor de apache” de que nos falam os franceses. O amor de sofrimento, de violência, amor sem nada esperar. Um amar por amor. Ainda, pelo “Nhô Quim”. De cansaço, sim. Mas amor.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.