ARTIGO

A fundação de Piracicaba e a bandeira do Divino

Por Marly Therezinha Germano Perecin |
| Tempo de leitura: 3 min

Quando a monção do Barbosa apontou na última curva do Rio Piracicaba, o aviso da chegada foi prontamente atravessado pela trabucada em terra. Finalmente, depois de oito dias de navegação, saídos do Porto de Araritaguaba, em busca da Terra prometida. O Morgado de Mateus, em nome d' el Rei D. José I, ordenara a fundação de uma povoação no bairro mais afastado de Itu, uma "boca de sertão" no Rio Piracicaba, ano de 1767.

O clima era de alegria diante da oportunidade de receber um chão de terra para cultivar e viver longe dos perigos do recrutamento para a guerra.

Tudo estava por fazer, mas o feijão da seca, plantado e colhido os aguardava no paiol. O estaleiro montado à beira d'água estava pronto para funcionar e em breve estaria atendendo a colossal demanda dos barcos para a navegação de toda a bacia Platina.

Havia uma guerra entre as duas Coroas ibéricas e muita força armada já havia partido para o continente de São Pedro e dos Santos Mártires do Rio Grande do Sul.

Várias famílias se estabeleceram juntamente com o Barbosa e seus parentes. Podemos até conhecê-las pelos nomes: os Prado, os Rodrigues, os Pires, os Gonçalves, os Lima, os Pedroso, os Garcia e um Francisco de tal, todos relatados no censo de 1873, o mais antigo que descobrimos. Não passavam de 183 habitantes, entre eles muitos menores. Indivíduos livres eram 73; forros e outros feitos livres eram 103; escravizados eram 07, sem que fosse esclarecida a procedência, indígenas ou africanos. As coisas iam bem, plantavam algodão, feijão, milho, arroz, fumo e criavam gado. A produção do estaleiro era rendosa. Basta dizer que uma canoa em estado bruto custava 68 mil reis, apetrechada subia a 70 mil reis, verdadeira fortuna.

Certa vez, o Povoador chegou de uma missão sertanista pelo alto Paraná, uma daquelas expedições perigosas que lhe eram exigidas pelo capitão-general, e de longe ouviu sinos tocando. Para a sua surpresa, durante a sua ausência, a população construíra a primeira Igreja de Piracicaba, pequenina e humilde, dedicada a

Santo Antônio, segundo decidira o Bispo da capital. Nossa Senhora dos Prazeres era desejo do Morgado de Mateus, mas a decisão cabia ao Bispo.

Não vamos detalhar a falência do projeto do Barbosa na margem direita do rio. Para salvar Piracicaba, o capitão-mor de Itu a transferiu para a margem esquerda e trouxe a fronteira agrícola para os nossos sertões. A freguesia prosperou.

Todavia, a Igreja permaneceu na margem direita, não havia recursos para uma nova construção. Assim, toda a vez que se celebrava o culto, os habitantes atravessavam o rio, mesmo em risco de ver desabar a velha igrejinha arruinada. Desciam os irmãos do bairro de Rio acima e subiam os do Rio abaixo, encontrando-se à altura do barranco que, escalado, levava à celebração. Para festejar o Pentecostes, repetia-se o procedimento, tal como se faz no presente, sempre na mesma altura do rio. Hoje se chama Encontro do Divino, parte importante do calendário religioso, folclórico e turístico de Piracicaba.

Muita coisa se passou, até o século XXI, houve enormes mudanças, porém, duas coisas permanecem firmes e consagradas, o nosso amado rio e a bandeira milagrosa do Espírito Santo.

É impossível separar a história da fundação de Piracicaba da bandeira do Divino, a primeira da nossa terra, aquela que navegou nas santas águas do rio.

Marly Therezinha Germano Perecin é graduada em História pela PUC Campinas e doutorada pela USP.

Comentários

Comentários