
É assim que me sinto quando penso sobre envelhecimento e sede, especialmente quando dou aulas de personal para meus alunos. É como se eu sussurrasse, em silêncio, a importância vital de se tomar água com o passar dos anos. Mas já explico o porquê: ao longo do tempo, nosso corpo se torna mais sensível, há menos músculo, menos retenção, menos sede e, sem perceber, deixamos de oferecer a nós mesmos o que há de mais simples e essencial: a água.
Aos sessenta, setenta, oitenta anos, cada gole é um gesto de cuidado, um abraço interno que preserva o raciocínio, a calma, a memória. Quando os idosos não bebem o bastante, a delicada maquinaria cerebral começa a ranger: a atenção se dispersa, as recordações se perdem, o humor oscila. Pequenos lapsos que, com o tempo, podem se transformar em esquecimentos frequentes, às vezes confundidos com quadros de demência ou Alzheimer.
Estudos já mostraram que até mesmo uma leve desidratação é suficiente para alterar o desempenho cognitivo em adultos mais velhos, especialmente em tarefas que exigem foco sustentado. E isso não é raro. Na verdade, é mais comum do que gostaríamos de admitir. A sede enfraquece com a idade. O corpo já não avisa com a mesma urgência. Por isso, nesse contexto, a água deixa de ser uma escolha: ela se torna cuidado ativo, decisão consciente, prevenção amorosa.
Uma pesquisa publicada no European Journal of Nutrition, intitulada “Cognitive performance in relation to hydration status and water intake among older adults”, reforça essa visão. O estudo mostrou que idosos com menor ingestão hídrica demonstraram piores desempenhos em testes de memória, velocidade de resposta e aprendizagem. E não para por aí. A falta de água pode contribuir para quedas de pressão, confusão mental, infecções urinárias, prisão de ventre e até internações evitáveis. Muitas vezes, a pessoa não está “ficando esquecida”, ela está desidratada. Muitas vezes, o corpo não está “envelhecendo mal”, ele está apenas com sede.
E sim, papai, mamãe, vovô e vovó costumam dar trabalho nisso.
Há também algo mais sutil, quase invisível, que acontece com a falta d’água: o desaparecimento gradual da disposição para a vida. Um corpo que não se hidrata adequadamente se cansa mais rápido, recusa movimento, rejeita a luz do sol. Um corpo seco se recolhe. E com ele, vem a reclusão social, a redução do convívio, a diminuição da curiosidade. É como se a secura física transbordasse para o afeto, para a vontade de continuar participando do mundo.
E aqui está a parte mais bonita disso tudo: é possível mudar esse destino com gestos simples. Uma garrafinha sempre à vista, um alarme no relógio, uma conversa carinhosa com quem se ama dizendo: “vamos tomar água juntos?”. Não se trata de corrigir hábitos com rigidez, e sim de reacender vínculos. Porque se for com imposição, talvez não funcione. Hidratar é manter viva a capacidade de pensar, sim, mas também de sentir, de se emocionar, de se conectar com quem se é e com quem se ama.
Por isso, oferecer um copo d’água para quem envelhece é mais do que um gesto. É memória que se preserva. É conexão que se renova. É também autonomia, lucidez, qualidade de vida. Cada pequeno gole é um jeito sutil de dizer: “Eu cuido de mim. Eu ainda estou aqui.” Porque, no fim, talvez envelhecer bem seja isso: continuar se escolhendo, todos os dias inclusive com um simples copo d’água.
Vamos fazer isso juntos? Até a próxima!
Rogério Cardoso é personal trainer e preparador físico, membro da Sociedade Brasileira de Personal Trainer SBPT e da World Top Trainers WTTC.