
Em outras etapas do jornalismo – e, também, ao exercer o magistério na universidade – lembro-me de tentar explicar o que se entendia por notícia. Evidentemente, uma informação. Mas, em especial, algo que escapava ao cotidiano, ao habitual. O exemplo clássico: “se o cachorro morder o homem, isso não é notícia. Mas se o homem morder o cachorro, é notícia.”
Era assim. Atualmente, já não se sabe. Pois cachorro é cada vez mais companheiro das famílias e o homem... Bem, deixemos para lá. Tantas coisas lá se vão atropelando, tantas, que até mesmo o cotidiano faz-se imprevisível. O que, pela manhã, parecia ser, já pode não mais parecer à tardezinha. No entanto, tudo continua acontecendo como se fosse uma interminável repetição. Logo, se, para muitos, novidades não mais ocorrem, para um sem fim de pessoas cada amanhecer é um novo dia.
Pena, porém, que tenhamos adquirido apenas o hábito de viver. Acostumamo-nos com o cotidiano, com costumes, até mesmo com a indiferença diante do milagre da vida. E, também, com as tragédias e crueldades que teimam em persistir. Uma guerra, o que é uma simples guerra? Inocentes mortos, assassinados por bombas criminosas? Qual a novidade? Aliás, por que e para que, realmente, Confúcio, Lao Tse, Buda, Jesus vieram ao mundo com suas dramáticas mensagens de amor, de paz, de solidariedade?
Este escrevinhador nasceu em plena II Guerra Mundial. Em 1940. O nazismo aterrorizava o mundo e o monstro-humano chamado Hitler estava próximo de realizar seu projeto sanguinário. A primeira infância foi de sustos e temores, chegando à desesperada expectativa de a bomba atômica destruir, por fim, a humanidade.
Mentirosos disseram que, com a explosão indescritível, não haveria mais guerras no mundo. Até uma pomba da paz – linda, criada com doçura – foi-nos entregue pela genialidade de Pablo Picasso. Surgiu a ONU. Mas vieram a Guerra Fria, os horrores da Coréia, do Laos, o terror do Vietnã, acentuou-se o incompreensível conflito entre árabes e judeus, guerras em todos os quadrantes, o mundo nunca mais parou de temer pelo seu próprio fim.
Que conflito, qual desses horrores é notícia, algo que fuja ao normal, que se diferencie da habitualidade? Acostumamo-nos com tudo, até mesmo com a crueldade quando tornada habitual. E – mais dolorosamente ainda – não mais percebemos as maravilhas que a vida nos oferece a cada momento. Cegamo-nos.
Ensurdecemo-nos. Mas, apesar de nós, a explosão vital continua em seu esplendor. O reino está aqui.
Cadê, pois, a notícia, a ocorrência, o fato diferenciado? Pois eles existem. São os que contrariam o óbvio. A notícia – a ser divulgada – está na cordialidade de alguém auxiliando, por exemplo, uma idosa a atravessar a rua. A notícia está no cumprimento gentil que se dá a um desconhecido. É notícia o sorriso. E o redescobrir da alegria vivificante de crianças brincando nas calçadas, em jardins. Ver mãos dadas, carinhos de enamorados, cuidados de profissionais da saúde, a solidariedade humana que sobrevive aos horrores.
Enquanto os guerreiros destilam seus ódios – mesmo que se justificando em nome da paz – o povo anônimo mantém a sua vocação comunitária. As pessoas querem viver, nada mais do que isso. E viver é usufruir dos prazeres e não o martírio diante de sofrimentos, que são apenas parte de um todo. Viver é o agora, não algum além prometido. O futuro é, apenas, uma expectativa. O ontem ensina. O hoje precisa aprender a lição.
Tornou-se inválido o ditado latino, “se quer a paz, prepare-se para a guerra”. A paz está no coração humano. Basta, apenas, ouvi-lo.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.