
Com 35 anos de trajetória no serviço público municipal, o atual procurador-geral de Piracicaba, doutor Marcelo Maroun, fala sobre sua carreira, os desafios da administração pública, o papel da Procuradoria e também comenta sua atuação como presidente do conselho deliberativo do XV de Piracicaba, abordando a recente estruturação do clube como SAF.
Doutor Maroun, o senhor é funcionário de carreira da Prefeitura há 35 anos e, atualmente, é Procurador-geral do Município. São 35 anos como procurador?
Não, essa é uma pequena história em 35 anos. Eu entrei em 1990 como escriturário na Prefeitura. Comecei trabalhando no 156, que é o serviço de recebimento de informações, um contato com a população. Comecei a me destacar um pouco pelas redações que eram feitas, porque nós recebíamos as informações e encaminhávamos para as secretarias para o cumprimento daquelas situações. Aí isso despertou a atenção à época, no governo do José Machado, e logo em seguida eu fui para o gabinete. E aí começou toda uma carreira junto à Prefeitura, trabalhando como assessor parlamentar na época, fazia toda a relação entre o executivo e o legislativo. Aí nós tivemos um concurso, onde em 1996 eu ingressei nos quadros como procurador do município. Como procurador já são 29 anos. Desenvolvi todos os segmentos praticamente junto à procuradoria-geral, até ser procurador chefe, por 12 anos. Já trabalhei na corregedoria-geral do município, várias comissões, de licitação, sindicância, concurso público na sequência. E agora como procurador-geral do município a convite do Hélio Zanatta.
Todas as decisões de uma gestão municipal acabam passando pela procuradoria? Praticamente todas. Voce vai enviar um projeto de lei à câmara, obviamente que as secretarias passam as informações básicas técnicas referentes àquele projeto e nós colocamos no formato legal, de um projeto de lei, fazemos os acompanhamentos. Tem a execução fiscal, que nós temos um trabalho grande e que geralmente não é muito bem visto politicamente, que é a cobrança. Nós temos o Procon, que é a defesa do consumidor, a área administrativa, licitações, contratos, área tributária, a área urbanística, que hoje é muito difícil, complicada de se trabalhar, respeitando a legislação ambiental, trabalhista. Tem muitos segmentos dentro da procuradoria que, de uma forma ou de outra, nós acabamos participando efetivamente de praticamente todos os processos e encaminhamentos da prefeitura.
Quantos procuradores tem o município?
Nós temos 22 espalhados nessas áreas de atuação. Trabalho tem bastante, muito trabalho. Nós temos sempre que estar em consonância com o ministério público, com a câmara de vereadores. Nós também temos o tribunal de contas que fiscaliza todas as atividades. Isso além de todo o trabalho do dia a dia, nós temos que estar sempre prontos a prestar as informações necessárias para ser tudo dentro da legalidade e da transparência.
Qual é o papel da Procuradoria Geral do Município e quais são suas principais áreas de atuação? A Procuradoria Geral do Município (PGM) desempenha um papel fundamental dentro da Administração Pública, sendo responsável pela advocacia do Município. Entre suas atribuições, destacam-se a defesa da legalidade, o cuidado com o interesse público e a proteção do seu patrimônio. Dentre as principais áreas de atuação da PGM estão a representação judicial e extrajudicial do Município, a consultoria e o assessoramento jurídico aos órgãos municipais, a elaboração de pareceres e a fiscalização da legalidade dos atos administrativos.
Como a Procuradoria tem atuado para garantir a legalidade e a eficiência nos contratos públicos da Prefeitura?
A atuação da Procuradoria envolve a análise jurídica das contratações públicas, abrangendo a revisão de editais e contratos, bem como a emissão de pareceres jurídicos opinativos. O órgão também presta orientação às Secretarias Municipais durante a elaboração dos instrumentos contratuais, assegurando que estejam em conformidade com a legislação vigente e contribuindo para a prevenção de eventuais riscos de judicialização. É importante destacar que todos os pareceres emitidos pela Procuradoria têm caráter não vinculante.
A Procuradoria tem enfrentado aumento de judicializações envolvendo o Município? Quais são os temas mais recorrentes? Nos últimos tempos, a Procuradoria tem observado um aumento expressivo nas judicializações, principalmente em ações movidas por servidores municipais em busca de direitos trabalhistas. Diante desse cenário, a PGM tem se dedicado à análise das legislações que contribuem para essa situação delicada para o erário. A expectativa é que, em um futuro próximo, seja possível equacionar esse problema.
Outro ponto relevante é o processo de estruturação da execução fiscal, que envolve desde o número de procuradores, servidores, estagiários e a adequação do espaço de trabalho, até a implantação de sistemas de informação. Esses esforços visam promover as ações de cobrança, bem como facilitar procedimentos como a negativação e o protesto. Por fim, merece destaque a atuação da Corregedoria Geral, sob a liderança do Dr. Marco Aurélio Barbosa Mattus.
A transparência e a integridade dos atos públicos têm sido exigidas cada vez mais pela sociedade.
Como a Procuradoria contribui nesse aspecto?
Por meio da aplicação rigorosa dos princípios constitucionais previstos no artigo 37 da Constituição Federal — como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência —, a Procuradoria Geral contribui de forma significativa para a transparência e a integridade dos atos públicos. Além disso, a PGM orienta as Secretarias Municipais no cumprimento das normas de transparência, garantindo que as práticas administrativas estejam sempre fundamentadas na integridade.
Há projetos para modernizar ou digitalizar os processos jurídicos da Procuradoria? Se sim, em que estágio estão?
Com o objetivo de tornar os procedimentos internos mais ágeis, econômicos e eficientes, a Procuradoria-geral do Município está desenvolvendo projetos voltados para a digitalização dos processos jurídicos. A iniciativa encontra-se atualmente na fase inicial, que envolve a análise das melhores soluções tecnológicas disponíveis no mercado e a capacitação dos servidores para a transição digital. É importante destacar que esse processo está sendo implementado em todas as áreas da Procuradoria Geral, incluindo as áreas Administrativa, Cível, Execução Fiscal, Trabalhista e Procon.
Quais são os maiores desafios jurídicos enfrentados atualmente pela administração municipal?
Entre os principais desafios jurídicos enfrentados pela administração municipal estão o controle da legalidade nos contratos administrativos, a adequação às normas de licitações e contratos, a defesa em ações judiciais de grande impacto financeiro, além da implementação de políticas públicas em conformidade com os princípios constitucionais e normativos vigentes. Também faz parte desse contexto a busca pelo equilíbrio das finanças municipais, o que se torna ainda mais relevante diante da grave crise nacional. A atuação responsável e inteligente visa dar ao prefeito Hélio Zanatta condições de posicionar a cidade no patamar que ela merece.
O senhor é presidente do conselho deliberativo do XV. O XV de Piracicaba aprovou recentemente a SAF. O que foi feito anteriormente que já tinha uma SAF? Não era uma SAF, mas já tinha o processo?
Na verdade, o XV já era SAF, tem o CNPJ, toda a inscrição como Sociedade Anônima do Futebol. Porém, nós só não somos SAF compartilhando isso com a iniciativa privada, com as empresas que estão interessadas em adquirir um percentual dessa SAF. Ou seja, é 100% XV. O XV é uma SAF mas ainda sozinho, não tem um parceiro. Nós fizemos a aprovação pelo conselho deliberativo, e quando foi feito na assembleia de sócios, houve uma alteração no estatuto. Então, fazendo uma análise agora das propostas que estão chegando e verificando todo o procedimento, nós achamos por bem, até como uma medida de cautela para que amanhã ou depois não se alegasse alguns vícios ou situações nesse sentido perante o estatuto, nós levamos novamente para o conselho deliberativo, convocamos uma assembleia geral de sócios que homologou, ratificou todos os procedimentos anteriormente feitos com base no estatuto anterior. Mas hoje já totalmente regular e em condições de analisar uma proposta de um parceiro.
Na sua opinião, esse é o caminho para o XV de Piracicaba?
É um dos caminhos. O XV, para ontem, tem que se profissionalizar. Esse é o meu lema, é a minha constante colaboração desde que eu assumi a presidência do conselho. Ele precisa profissionalizar na área administrativa, precisa profissionalizar no departamento de futebol. Tentar, dentro do possível, buscar profissionais com condições na área econômica e financeira. Deixar o XV mais claro, mais transparente, melhor visto no mercado. E que somente com a profissionalização, não mais só com os amantes do XV, com os que admiram o XV, essa contribuição tem que existir. Mas a gente tem que entender que esse romantismo, essa situação mais amadora, deixou a gente muito para trás enquanto alguns clubes foram se profissionalizando. Uma das alternativas ao meu entendimento é a SAF. Lógico que para isso tem que vir um parceiro idôneo, com experiência no futebol, um parceiro financeiramente bom, saudável, com respeito no mercado para que inicie esse bem.
Agora, se isso não ocorrer, qual seria a alternativa?
Buscar parceiros com investimentos no XV, mostrando para o torcedor, para o piracicabano, essa parceria de forma clara. Investiu-se tanto em jogadores, lógico que vai ter um retorno para essa empresa que investiu, estampou a camisa. O que essa empresa quer, almeja com o XV, qual o retorno. A partir do momento que o XV se profissionaliza, eu acho que esses interessados passam a vir no XV, a participar da vida do XV, porque é uma camisa, um time muito tradicional. Porém, ninguém vive só de tradição. Ninguém vive só da camisa. Hoje nós estamos na Série A2 do Campeonato Paulista e disputamos em agosto uma Copa Paulista, que é totalmente deficitária, não tem retorno financeiro, não é vista por muitos empresários. Nós não temos um calendário nacional. Não temos Série D, não temos Série C, que você não tem um planejamento que você não tem um profissionalismo a longo prazo. Nós não temos muito a oferecer, não temos um clube social. O estádio não é do XV, é da prefeitura. Então, são diversas dificuldades, às vezes o XV recebe críticas aos diretores que eu entendo como injustas no sentido de não colocar um grande time em campo. Porém eu acho justas no sentido de não ter essa profissionalização e partir para um caminho de maior glória com o tempo para o XV.
Quando se fala em SAF, mesmo no interior de São Paulo já há algumas iniciativas, a mais famosa delas é o Bragantino. Mas tem outras que já estão caminhando...
O Bragantino não é propriamente uma SAF, houve uma compra, um comércio exercido onde se passou para o Red Bull. Mas nós temos outros exemplos. O Capivariano, que subiu agora, é uma SAF, o Primavera de Indaiatuba. Os dois que tiveram acessos são SAF. O atual campeão brasileiro e do continente, o Botafogo, é SAF. Nós temos vários exemplos. É a única saída? Se tiver um bom parceiro, é uma grande saída, porém eu acho que, lógico, não dá para sair comercializando percentuais. Nós temos até 90% pela Lei da SAF que nós podemos comercializar, colocar para o sócio, 10% tem que continuar sendo do clube.
Há empresas interessadas? Como funciona, a empresa se manifesta ou o clube vai atrás de possíveis parcerias?
Salvo engano teve uma proposta, que fica sob sigilo porque eles pedem auditoria, várias relações existentes, até se efetuar uma proposta. Então eles demonstram o interesse. Nessa demonstração de interesse tem várias cláusulas de confidencialidade e tudo mais. Passando por esse processo, vamos dizer, o XV tem uma dívida de 20 milhões, um crédito de tanto, quer seja com jogador, com cota em federação, cota de televisão, enfim. Quanto vale o XV, considerando o crédito e considerando o débito. Quanto tem que ser aportado. É isso que está sendo discutido hoje e está na iminência de uma conclusão. Essa proposta pode ser efetivada ou declinada. Ou apresenta a proposta, e aí tem que passar pelo conselho, aprovar. Ou tem a rejeição da proposta e você pode começar uma discussão com uma segunda empresa. Não pode ter concomitantemente, até por cláusulas, duas negociações. Voce tem que terminar a negociação e, não tendo sucesso, partir para uma segunda.
O XV não tem um estádio, não tem um ativo muito grande, mas tem o nome XV de Piracicaba, a própria marca e a trajetória. E isso ajuda bastante numa negociação...
Na verdade é no que nós nos apegamos. Diferentemente, por exemplo, de um Juventus. O Juventus hoje tem o que oferecer porque ele tem um lado social muito forte. Tem um clube muito forte, promove jantares, eventos, o XV infelizmente não tem. Não tem piscina, lazer, não tem o que oferecer ao seu sócio. O sócio hoje do XV é porque ele gosta do XV, se associa e vai aos jogos apenas. Não tem clube, não tem a parte social, e isso dificulta um pouco o interesse que é uma forma de se fazer dinheiro, de ter um maior número de sócios. É uma situação muito delicada. Ele tem que se repaginar, tem que se renovar. Que seja por SAF, que seja por parceiro, não necessariamente uma SAF. Mas como existe uma legislação hoje que disciplina, que rege essa matéria, nós corremos e nos tornamos SAF para estar pronto caso apareça um investidor a gente já esteja no mercado para concretizar.
O principal objetivo inicialmente é fazer o time ter um calendário o ano inteiro. Porque o que está acontecendo agora é que vai disputar o Paulista e acaba se desclassificando e muitas vezes correndo o risco de cair para a Série A3, o que seria bem pior. E depois a Copa Paulista, que não diz muito, e acabou. Como se monta um time, um para o Campeonato Paulista e outro para a Copa Paulista?
E tem que ser dois times mesmo, totalmente diferentes. Nós tivemos um nível de jogador para a A2, que infelizmente não teve êxito. Agora tem que ter um outro nível para a Copa Paulista, que é muito inferior. E não dá para manter o elenco por conta dos valores. Não tem como pagar R$ 20 mil, R$ 25 mil, seja lá o que for, para um jogador vir disputar uma Copa Paulista.
O senhor é também orador da Sociedade Sírio-Libanesa de Piracicaba, como é isso?
Na Sociedade Beneficente Síorio-Libanesa, por parte de mãe é italiano, por parte de pai é libanês. É um lugar que eu frequento desde criança, é um lugar que nós tivemos grandes eventos, tudo começou para realmente abraçar quem chegava, isso em 1902, que teve a construção da nossa sede na rua Governador Pedro de Toledo. Principalmente depois que meu pai faleceu em 2012, em conversas com ele, ele sempre demonstrou a vontade de que eu desse continuidade àquele local quie ele tanto colaborou e que foi a participação dele na sociedade piracicabana. E ali eu comecei a frequentar com mais intensidade, e foi quando eu me tornei diretor financeiro. Fui duas vezes presidente, advogado da entidade, e hoje sou orador. Orador, nos eventos, faz-se um discurso e leva na verdade o nome da sociedade e tem esse dever de sempre estar falando sobre as tradições,a cultura, para não deixar isso morrer. E a nossa participação na sociedade piracicabana foi tão grande que hoje nós praticamente não ajudamos mais os nossos descendentes, até por não ter essa necessidade. E sim, várias entidades locais. A nossa atuação hoje é mais voltada aos nossos irmãos menos favorecidos piracicabanos e estamos lá. É uma missão muito gratificante poder colaborar com a comunidade local.
Qual é o tamanho da comunidade sírio-libanesa em Piracicaba?
Associados nós somos em torno de 400. Mas a colônia é muito grande, estamos falando, se contar descendentes, filhos, netos, é em torno de 10 mil, com certeza.