
Mil vezes, já me prometi: é hora de parar. E insisto em cumprir o prometido. No entanto, se a razão me convida a fazê-lo, as entranhas acabam impondo-se. Pois atividades humanas há que impedem aposentadoria, o desligar-se, o dar por encerrada a responsabilidade. Quem as exerce – o médico, o enfermeiro, o sacerdote, também o jornalista – não consegue aposentar-se da vida.
Se o corpo exige pausas, a alma e o coração sentem e cobram. E há, então, que se aceitar como verdade aquilo que se aprendeu desde o início: “O jornalista é o cão de guarda da sociedade”. E ai do cão que, diante de ameaças, não ladrar!
Nesta semana, completam-se os primeiros 100 dias da administração do sr. Hélio Zanata. Recuso-me a tratá-lo como “Helinho”. Pois, o uso do diminutivo há que ser adotado como intimidade cordial ou como depreciativo. Prefeitinho Helinho? Seria o fim.
Completam-se, pois, os primeiros 100 dias de um novo governo. Acaba-se, assim, o clássico e justo período de tolerância, de compreensão popular. A partir de agora, a população tem o pleno direito de cobrar, de começar a exigir prestação de contas. Está havendo harmonia administrativa no governo? Quais os verdadeiros acordos para se alcançar o necessário apoio da maioria do Legislativo? Qual o projeto de governo, não apresentado durante a campanha?
Uma simples interrogação, exige resposta urgente pela ameaça que traz à alma de Piracicaba: qual a posição do sr. Prefeito? Ele tem consciência das tentativas de agressão ao nosso tesouro, à Beira-Rio? O acinte faz estremecer até mesmo o antigo cemitério indígena que lá repousa.
A não ser quando se tentou construir um shopping à margem do Salto, nunca se viu nada igual. E o CODEPAC, na administração anterior, já indignara a população ao “DESTOMBAR” relíquias históricas. E para quê? Ora, de maneira a causar dúvidas, para facilitar negócios de alguns proprietários interessados em apenas lucrar com patrimônios históricos. Devoram-se lei, moral, direito, justiça. É a loucura da ganância.
A Piracicaba consciente e responsável – herdeira de mais de dois séculos e meio de história – precisa ser informada de fatos que tornam ainda mais grave essa desfaçatez. E louve-se, aqui, a atuação do Mandato Coletivo da Câmara, consciente do escândalo. Pois, a empresa está em litígio com a mesma Prefeitura há quase 15 anos. Foi beneficiada pelo anterior CODEPAC, mas não cumpre acertos e acordos devidos ao município. O processo se alonga, mas há restrições legais para divulgá-lo. Avalia-se que compromissos devidos giram em torno de nove a dez milhões de reais, por conta de juros e correção monetária. E disso a Prefeitura, obviamente, sabe. Mas o sr. Hélio Zanata tem conhecimento? Dá-se conta, o prefeito, da já ruidosa indignação popular? E, agora, da significativa presença do IPHAN?
Não há, pois, como suportar essa tentativa, por um pequeno grupo, de violar e profanar um dom da natureza que nos identifica. Eles querem comercializar o sagrado de todos nós. Piracicaba – antes de ser uma povoação e tornar-se cidade – era o nome de um rio. E rios são sagrados, à imagem do Jordão, do Ganges, do Tigre, do Eufrates. E sagrado, para nós, é o nosso encantador rio Piracicaba, onde celebramos a Festa do Divino Espírito Santo.
Aqui, é “onde o peixe para”, o peixe que simboliza o cristianismo na fecundidade e na sabedoria. Eis o horror: Piracicaba – lugar abençoado – berço da cultura paulista, sob ameaça de um espírito mercenário que pretende comercializar nossa paisagem, alma desta terra.
Defina-se, sr. Hélio Zanata!
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.