
O ano de 2025 celebra os 125 anos de fundação da OSP (Orquestra Sinfônica de Piracicaba). A OSP já foi regida por nomes importantes da música mundial, como Lázaro Lozano, Benedito Dutra Teixeira e Ernst Mahle, mas tem na figura de Jamil Maluf, maestro piracicabano, a marca de um dos momentos mais importantes da história da instituição: a reestruturação da orquestra, iniciada em 2015.
Saiba mais
Maluf assumiu o posto de regente titular e diretor artístico da OSP em julho de 2014. De lá para cá, esteve à frente de um processo de ampliação e democratização do acesso da população à orquestra. Entre as principais mudanças instituídas por ele, estão a ampliação do número de concertos anuais e presença do grupo em outras cidades do Brasil. Com Jamil Maluf, a OSP passou a ser atração frequente do Festival de Inverno de Campos do Jordão, além de reger a estreia da Sinfônica na Sala São Paulo. A OSP também teve como convidados alguns dos principais nomes da música erudita brasileira, como João Carlos Martins, Fábio Zanon, Toninho Carrasqueira e Guido Santana, além de astros da música popular, como Tetê Espíndola. O projeto foi e continua sendo um sucesso.
Maluf, porém, não deixa de afirmar que todas as realizações da OSP passaram pelas mãos de várias outras pessoas, entre elas, as que construíram o caminho da orquestra antes dele assumir a batuta. “As pessoas que construíram a OSP antes de 2015 foram desbravadores”, diz. “Eu acho que o amor à música sempre foi muito presente porque Piracicaba é uma cidade que tem uma tradição musical muito importante”, completou.
Mas, apesar de ter feito parte de tantos projetos que contribuíram para o sucesso da reestruturação da OSP, Maluf ainda tem sonhos. “A orquestra ainda precisa conquistar um grau que é oferecer salários para os músicos. Eu aguardo para que esse dia surja. Aí vai estar completa”, finalizou. No período em que esteve nas funções da OSP, Jamil Maluf recebeu o prêmio de Mlehor Regente de Orquestra pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), em 2017 e o título de Piracicabanus Praeclarus, em 2016, pela Câmara Municipal. Veja a entrevista completa com o maestro emérito da OSP ao JP.
A OSP completa esse mês 125 anos de criação e 10 anos de sua reestruturação e ampliação. Pode nos falar um pouso sobre isso?
Esse ano, além dos 125 anos, a OSP completa 10 anos de reestruturação. A reestruturação foi feita em 2015. Até 2015, a OSP tinha um modelo de orquestra, e a partir de 2015, mudou radicalmente. O concerto inaugural guarda uma relação com os objetivos da orquestra. O concerto inaugural foi em abril de 2015. E aí, nesse concerto, teve um pianista muito importante, o Eduardo Monteiro, que foi o solista. Mas a orquestra tocou, também, a nona sinfonia de Dvorak, que é conhecida como a Sinfonia do Novo Mundo. Eu coloquei com um objetivo muito claro, de dizer ao público piracicabano que, a partir desse concerto, em abril de 2015, a OSP ia mudar completamente e ia acontecer um novo mundo para a orquestra.
A OSP, até essa reestruturação, fazia dois, três concertos por ano. A partir da reestruturação, ela passou a ter um concerto todos os meses. Então, somando os 12 meses do ano, 12 concertos. Fora os extraordinários. E aconteceram os espetáculos didáticos, que são espetáculos que foram pensados para a rede municipal de ensino de Piracicaba. Então, os músicos da orquestra faziam concertos especificamente para as crianças. Isso à parte da temporada. E aí, vieram as apresentações que marcaram época para a Orquestra. Entre elas, a estreia da OSP na Sala São Paulo. A OSP nunca tinha tocado lá. Em 2018, ela fez a sua estreia na Sala São Paulo com um sucesso enorme. A OSP nunca tinha estado no Festival de Inverno de Campos do Jordão, então, ela passou a se apresentar regularmente no Festival de Inverno. E a OSP nunca tinha gravado um especial para a TV Cultura. E ela gravou um especial que ficou muito conhecido na época, e que causou muitas impressões. A TV Cultura, a programação é replicada nas TVs educativas no Brasil inteiro. Então, a OSP ficou conhecida no Brasil inteiro através desse especial.
Os concertos da Orquestra eram gratuitos. De vez em quando tinha alguma coisa para caridade, entrega de um quilo de alimento, mas era gratuito. E apesar de ser gratuito, a orquestra trouxe para Piracicaba alguns dos maiores nomes da música erudita brasileira. João Carlos Martins, Fábio Zanon, Toninho Carrasqueira, Guido Santana, que foi um violinista que ganhou prêmios importantíssimos na Europa. Isso só de instrumentistas, mas teve muito mais. Cantores, já foram vários cantores, mas duas especialmente se destacaram. Uma é a Gabriela Patche, e a outra é a Eliane Coelho, que é a cantora brasileira de maior sucesso internacional. Nós levamos solistas da MPB. Então, por exemplo, na música regional, Ivan Vilela se apresentou com a Orquestra, coisa que não se fazia. André Mehmari, Bebé Salvego, que na época estava sendo lançada na música popular, e vários nomes. Maestros, também vários. Mas eu quero destacar dois: Roberto Tibiriçá e Erica Hendrickson. Fora isso, a OSP tocou também em espetáculos com companhias de teatro. Ela fez vários espetáculos cênicos com a Companhia Imago.
A reestruturação foi uma conjugação de talentos com vontade de fazer e fazer bem. Então, foi uma feliz coincidência de talentos em vários aspectos na orquestra, tanto a equipe artística, quanto na equipe administrativa. para que essa reestruturação fosse possível, a OSP começou a contar com um pagamento anual da orquestra. Também a orquestra percebeu um apoio muito expressivo da iniciativa privada, de várias empresas piracicabanas. Outra coisa importante foi a divulgação nos principais órgãos de imprensa de Piracicaba, destacando o Jornal de Piracicaba que todo mês abria suas páginas para divulgar os concertos. Além da equipe técnica e artística e, por fim, mas não em último lugar, do excepcional talento dos músicos recém chegados. Aqueles que passaram no teste. Houve um teste em março de 2015. A orquestra estreou em abril, em março foi feito um teste na orquestra inteira. De repente vieram alguns dos talentos principais de Piracicaba, da região de Piracicaba, cidades perto, como Tatuí, que tem conservatório. Essa legião de talentos que tornaram possível que a orquestra fizesse uma temporada tão significativa quanto essa.
Repassando um pouco da história da OSP ela fez sua primeira apresentação em 24 de março de 1900 com o maestro espanhol Lázaro Lozano, depois em 1914 temos registro desse mesmo grupo se apresentando com o maestro Fabiano Lozano (irmão mais novo de Lázaro) e em 1934, sob a regência do maestro Benedito Dutra Teixeira e em 1934 com o maestro holandês Edgard Van Den Branden, passando depois ao maestro Ernst Mahle nos anos 1950, já nos palcos da Escola de Música de Piracicaba, até ser assumida pelo maestro Edildo Rizzi em 1997. Pode nos contar um pouco mais como foi essa retomada e reformulação em 2015?
Se não tivesse havido tudo o que houve, não teria a reestruturação. As pessoas que construíram a OSP antes de 2015 foram desbravadores. Não era fácil tocar uma orquestra do jeito que foi feito a OSP. A OSP não é uma orquestra da prefeitura. Nunca foi e não é. Ela tem a prefeitura como uma grande apoiadora, mas não é. O que torna a tarefa das pessoas que vieram antes mais difícil ainda. Porque, quando a orquestra é da prefeitura, a prefeitura paga salário. E quando a orquestra não pertence à prefeitura, a prefeitura dá um valor e as pessoas só ganham quando tocam. Então, você pode imaginar que antes da reestruturação, como não tocava muito, o que as pessoas ganhavam não era significativo. Então, eu acho que elas participavam da orquestra mais pelo amor à música, e isso é importante.
Eu acho que o amor à música sempre foi muito presente porque Piracicaba é uma cidade que tem uma tradição musical muito importante. Não se pode esquecer da Escola de Música de Piracicaba e tudo o que ela fez. Era uma cidade pronta para ter uma orquestra como a OSP. Eu não vivi essa fase anterior à reestruturação com a familiaridade para poder descrever exatamente como era. O que eu mostrei agora são os pontos que a orquestra passou para uma nova realidade. Mas sem dizer, em hipótese alguma, que a realidade anterior não era importante. Era muito importante. Se não tivesse havido OSP desde 1900, não teria reestruturação.
A Orquestra Sinfônica sempre teve fortes vínculos com os músicos piracicabanos, como o flautista Erotides de Campos que hoje dá nome ao Teatro do Engenho e o violinista Olênio Veiga que participou dela de 1928 a 1997. Pode nos falar um pouco sobre esses vínculos entre a cidade e a orquestra?
Eu acho que para esses talentos surgirem são vários fatores. Um dos fatores é que a cidade tenha uma boa escola de música. E teve. Agora, a escola de música está atravessando uma crise muito séria. Mas ela sempre foi, desde o começo de 1950, quando o Mahle plantou essa semente, ela foi pujante. Tinha festivais de música, concursos nacionais de solistas. Muitos instrumentistas importantes saíram de lá. E outros não saíram. Eu, por exemplo. Eu fui um dos piracicabanos que nunca estudou na escola de música. Eu comecei na música popular, não na erudita. A primeira fase da minha formação foi por conta própria. Eu me formei sozinho. Depois, quando eu comecei a ter aulas formais, aí eu me mudei para São Paulo. Aí passei a ter aula com o João Carlos Martins e outras pessoas importantes. E depois de São Paulo, eu fui embora para a Europa. E na Europa eu fiz faculdade e me formei maestro.
Então, eu sou um músico de Piracicaba, mas não sou um músico que siau da escola de música. E tem uma grande parte deles que saiu da escola de música. Eu sou da minoria que não cursou a escola de música e que, no entanto, fizeram uma carreira grande.
A partir da década de 1990, a OSP teve um grande apoio e suporte de piracicabanos não músicos, como os professores da ESALQ, Alcides Guidetti Zagatto e Jaime Rocha de Almeida e o engenheiro agrônomo da FEALQ José Carlos Moura. Quais foram as participações deles e a importância disso na orquestra?
Muito importante, foi absolutamente importante. As pessoas que não são músicos, que não tem uma carreira profissional e mesmo assim se dedicam de corpo e alma a ajudar a orquestra, isso é uma das coisas mais preciosas que a orquestra pode ter. Essas pessoas mobilizam o público, a sociedade, a curtir os concertos, assistir os concertos, apoiar a orquestra, a participar dos eventos da orquestra. Essas pessoas são muito importantes.
Qualquer grande orquestra europeia, americana. Eu visitei mais de dez orquestras nos EUA, eu morei cinco anos na Alemanha e conheci praticamente todas as principais orquestras. Em todas as orquestras, a coisa que elas mais se orgulhavam em me mostrar eram as associações de não-músicos. As associações de voluntários, as pessoas que faziam trabalhos voluntários para a orquestra. Essas pessoas fazem rifas, um monte de coisas e grande parte do apoio que essas orquestras tem, vem daí.
Nos EUA é diferente do Brasil. Nos EUA, o governo não mantém as orquestras como mantém no Brasil. As orquestras dependem muito da iniciativa privada. Se elas não têm uma iniciativa privada bem estruturada, elas não vão para a frente. Eles têm uma dependência desse tipo de trabalho, do voluntariado, que é muito grande. E para nós, essas pessoas de Piracicaba que se dedicaram, que arregaçaram as mangas, eles são os nossos voluntários. Eles são os responsáveis por motivar o público a conhecer. Uma vez motivado, uma vez o público no concerto, ele se apaixona e volta.
Quando eu comecei o projeto de reestruturação, a OSP fazia um concerto só, no sábado. Mas logo no mês seguinte, já ficou claro para nós que o público era tão grande que a gente precisou começar a fazer dois concertos. E aí passou a fazer dois concertos no sábado, um às 16h e outro às 19h. E só não fez mais que isso porque o teatro Losso Netto ficou fechado por muitos anos e não podia utilizar. A gente tinha que utilizar o Erotides de Campos, que é um teatro pequeno. É um teatro muito gostoso, tem uma acústica ótima, mas é pequeno. E muito rapidamente o público da orquestra ultrapassou essa frequência.
Quando você fala dessas pessoas, são as pessoas que mobilizam o público, a sociedade, que chamam a atenção dos amigos, dos parentes, dos vizinhos, para a importância da orquestra. Eles fazem o que a gente chama de trabalho de bastidor. E esse trabalho de bastidor é fundamental.
Em 2005, assumiu a presidência da OSP o engenheiro Reinaldo Gerdes, foram conseguidas verbas de subsídio da Prefeitura Municipal de Piracicaba e posteriormente, por meio de projetos de incentivo fiscal, a OSP passou a receber patrocínio privado de empresas piracicabanas. Como o senhor vê isso para uma Orquestra?
Eu conheci muito bem o Gerdes porque, quando eu comecei em Piracicaba, ele já era o presidente. Eu defino o Gerdes como a pessoa certa no lugar certo. Ele é a pessoa certa no lugar certo. É um empresário bem sucedido, é uma pessoa com contatos importantes no meio empresarial e no meio político, e é uma pessoa que ama a orquestra. Então, pronto. Junta tudo isso, é a pessoa certa no lugar certo. Nós não precisamos ter na presidência da orquestra um músico. O lugar do músico é no palco fazendo música. Ele está no lugar certo.
E me permita também falar do Marcelo Batuíra. Eu fui diretor artístico do Teatro Municipal de São Paulo durante cinco anos, na gestão do prefeito José Serra. Nós tínhamos redatores musicais, que eram as pessoas que escreviam os comentários das obras do programa. Ele começou a fazer isso aqui em Piracicaba.
Esse trabalho também foi fundamental porque ele conseguiu, não sei como, escrever textos com profundidade, mas que fossem facilmente compreendidos pelo público. Os textos dele não eram superficiais, eram importantes, mas escritos em uma linguagem que o público queria. E isso ajudou a explicar as obras que estavam sendo executadas no palco. Quando você vê que o público, ao invés de jogar no lixo o programa do concerto, ele leva para a casa e leva para ler, é porque aquele programa foi importante. Quando o comentário não foi bem escrito, a pessoa começa a ler, se desinteressa e joga fora. Mas a gente teve vários testemunhos de pessoas que disseram que “nossa, esse programa é tão bom que eu levei para casa para ler com tranquilidade”. Então, é como eu disse. A OSP teve uma coincidência de talentos e vontades, por isso foi para frente.
Qual é o público que vai a uma apresentação da orquestra e por que é tão caro custear uma orquestra com apresentações periódicas?
Isso se deve porque, a orquestra, ela ainda precisa conquistar um grau que é oferecer salários para os músicos. Ela ser um trabalho dos músicos e não cachês. Quando você paga cachê, você tem que pagar um valor que as pessoas se sintam motivadas a fazer. Como a OSP não é nem uma orquestra da prefeitura e não é uma orquestra da iniciativa privada, ela une prefeitura e iniciativa privada, está faltando um elo forte para que essa conjunção seja importante. Porque, aí, se você paga salário, a pessoa recebe o salário se ela fizer um concerto, se ela fizer cinco concertos, ela recebe aquele salário. Ela recebe para participar das atividades. A orquestra pode ter dois concertos no mês, ou pode aparecer quatro concertos. Mas os músicos têm que fazer aqueles concertos. Porque eles recebem salário para atender a programação da orquestra na integralidade.
Eu acho que a reforma da orquestra vai ficar completa o dia que ela tiver essa estrutura. Porque você pode fazer isso sem a orquestra ser da prefeitura ou da iniciativa privada. Você pode ter apoiadores em diversos níveis: apoiador ouro, apoiador prata, apoiador bronze. No apoiador ouro você tem a prefeitura. No apoiador prata você tem grandes empresas. E elas têm que assinar um compromisso com a orquestra de apoiar por dois, três anos, e não por um mês, seis meses.
Eu aguardo para que esse dia surja. Aí vai estar completa. Enquanto não tiver isso, a OSP vai ficar na dependência de “vai ter dinheiro, não vai ter dinheiro”. Com isso, a orquestra perde alguns concertos por não ter dinheiro para realizar. Eu falo isso não como um tom de crítica, mas como uma pessoa que quer que a OSP passe para mais um patamar. Ela já subiu tantos patamares e eu acho que falta esse. É uma forma contratual. Bolar uma forma de contratar os músicos para que a participação na OSP seja um emprego, e não uma participação como convidado. Porque, aí, você gasta muito dinheiro com um concerto só.
A OSP passou uma fase difícil durante a pandemia da covid-19, quais foram as soluções implantadas na época pelo senhor para manterem os músicos e levarem um pouco de esperança para o público piracicabano?
Uma das coisas que eu me orgulho de ter feito foi a gravação do hino de Piracicaba. Nós encomendamos uma orquestração, com o nosso orquestrador em Piracicaba. E como os músicos não podiam estar juntos no teatro, nós colocamos eles em pontos turísticos de Piracicaba. Eles tocavam com gravação, e era gravada a parte deles e mixado. O que saiu para o público eram os músicos da orquestra tocando. Então tinha músico no Véu da Noiva, outro na Avenida Beira Rio, outro que ficava na Agronomia, outro no Teatro do Engenho. Com isso, a gente espalhou músicos pela cidade inteira. Essa gravação teve uma quantidade absurda de curtidas. Nunca tinha tido uma quantidade de curtidas daquela.
Fora isso, nós tivemos que reduzir drasticamente o número de músicos do palco. Colocar aqueles acrílicos isolando um músico do outro. Na época, a gente só tocava no teatro do Engenho, e o palco do teatro do Engenho é pequeno. E você colocar 60 músicos ali, fica um músico em cima do outro. Eu tive que ter uma criatividade muito grande que pudessem ser feitos com a orquestra reduzida e que, mesmo assim, interessasse o público. Tive que reduzir a quantidade de músicos do palco, colocar acrílicos separando a flauta do oboé. Isso para que o vírus não se espalhasse pelo ar e não atingisse o companheiro do lado. Foi uma época muito complicada, mas eu acho que a orquestra passou bem.
Justamente essa gravação do hino foi uma coisa simbólica, e o público entendeu e curtiu direto essa gravação. Foi um sucesso muito grande, a Câmara Municipal também apoiou. Foi uma conjunção de fatores muito bonita que fez com que as pessoas pudessem atravessar aquele período terrível com menos danos possíveis.
Depois da pandemia, o senhor deixou o cargo de maestro titular passando para maestro emérito da orquestra. Pode nos contar o que é essa função dentro de uma orquestra?
Eu saí por várias motivos. O primeiro motivo é que a minha mãe passou o ano inteiro de 2019 minha mãe passou por uma enfermidade gravíssima e acabou falecendo no natal de 2019. E eu tive outros problemas de saúde na família e eu também fiquei doente. Precisei fazer uma cirurgia muito séria, muito importante. Como eu não poderia estar presente na maioria dos eventos da orquestra, eu preferi deixar a orquestra e continuar ligado regendo como maestro convidado.
O maestro emérito tem muitas funções importantes. Infelizmente, em Piracicaba eu não estou conseguindo exercer o papel de maestro emérito com a importância que eu acho que ele deveria. O maestro emérito participa de testes de novos músicos, participa da discussão da temporada artística e rege a orquestra. Claro que eu continuo regendo, os concertos continuam um sucesso. A gente fez o Cinema em Concerto, que foi um auê em Piracicaba, o concerto com a Tetê Espíndola, que foi também outro grande momento. Claro que nessa parte está bem encaminhado. Mas foi uma série de coincidências muito tristes na minha vida particular. A minha mãe, por exemplo, ficou um ano numa situação de saúde dramática. O tempo inteiro eu tinha que correr e ajudar minha irmã, meus irmãos. E no final ela acabou falecendo em dezembro, um pouquinho antes do Natal. Foi muito difícil. Como eu não podia corresponder a expectativa que eu sempre tive de mim mesmo, porque, quando eu estive como titular, eu trabalhei muito por essa orquestra. E eu achei melhor reduzir a minha atividade, continuar trabalhando pela orquestra, mas reduzi um pouco a minha presença em Piracicaba.
Ano a ano a OSP tem ganho um respeito e admiração do público e hoje as empresas privadas estão muito mais propensas a investir na orquestra, isso não seria o resultado da organização administrativa e da própria confiabilidade da Associação mantenedora da OSP
Eu acho. Tem vários fatores. Um fator é esse, de você ter na administração da OSP pessoas que amam a orquestra. A primeira coisa é saber o seguinte: ama a orquestra, gosta, assiste porque tem vontade de assistir? Então é o primeiro passo. É competente naquilo que faz? É a segunda coisa. Então, a coisa funciona.
Outro lado importante é a capacidade dos músicos. É a dedicação dos músicos. Na OSP, nós temos que pensar numa coisa. Como não tem dinheiro para esbanjar, a orquestra faz poucos ensaios por programa. Até o ano passado, ela só tocava sábado. Nós tínhamos três ensaios: quarta, quinta e sexta. E no sábado já entrava direto e fazia dois concertos, à tarde e à noite. Três ensaios para os programas que a OSP toca, porque a OSP toca a Quinta Sinfonia de Beethoven, toca a Sinfonia do Mundo Novo, toca grandes obras, três ensaios é muito pouco, é muito arriscado. E mesmo assim, sia bem. Parte depende da competência artística de quem está na frente, a outra parte é a dedicação dos músicos. Levar a partitura para casa para estudar.
Isso foi uma briga de muitos anos nas orquestras em São Paulo. Atualmente a gente teve um progresso com a Osesp e com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, nós tivemos um progresso muito grande, mas muito grande. Isso devido aos músicos que entraram em formações importantes. Faculdades de música. Mas as gerações mais antigas, elas saiam das boates que elas tocavam à noite e iam para o ensaio da orquestra de manhã. Então, não eram músicos formados em faculdade. Eles eram músicos que estavam atuando onde desse para poder se manter.
A música sinfônica, com a melhora da Osesp e com a melhoria do Teatro Municipal, sofreu um avanço absurdo. Os músicos passaram a se preparar. Passaram a aparecer para ensaiar preparados, com a parte estudada, para não passar vexame na frente dos colegas. E na OSP acontece isso. Quando eu comecei, eu criei um sistema de mandar as partituras com muita antecedência, e os músicos passaram a estudar. Então eles já chegam no primeiro ensaio com uma parte dos problemas resolvida. Três ensaios é muito pouco, muito pouco mesmo. Tem maestro que no segundo ensaio já não sabe o que dizer para a orquestra. Mas tem um maestro que se ao invés de três ensaios tivesse seis ensaios, ele faz a orquestra soar como a Filarmônica de Berlim.
Por fim, há algo que o senhor gostaria de acrescentar sobre a OSP e a formação de músicos em Piracicaba, e como isso pode ajudar no desenvolvimento da cultura da cidade?
Tem ainda uma tarefa que eu coloquei, mas eu ainda não realizei. Que é a Fundação Cultural de Piracicaba. Eu tenho um sonho de ser a pessoa que vai instituir a Fundação Cultural de Piracicaba. Piracicaba não tem uma fundação cultural, e seria muito importante. Essa minha fala agora é direcionada ao prefeito de Piracicaba, Há alguns anos que eu venho lutando para a existência da Fundação Cultural de Piracicaba. Nessa fundação ficaria a OSP, e ficaria também a Escola de música, que é uma maneira de tirar a Escola de Música que ela está vivendo. Se tem uma coisa que eu nunca consegui entender é porque a OSP nunca teve uma ligação de fato com a Escola de Música. É importante uma orquestra ter uma escola.
É da escola que vem os músicos. Eu nunca entendi o porquê dessa separação. Eu acho que se o prefeito Hélio Zanatta atendesse o meu chamado, ele vai estar resolvendo o problema da escola de música, que é gravíssimo e está aí há anos sendo motivos de matérias na imprensa piracicabana, e vai estar dando à OSP um degrau a mais que ela está criando na história dela. Eu queria deixar um recado para o prefeito: está na hora de aparecer a Fundação Cultural de Piracicaba.