
As sucessivas experiências da vida, incontáveis vezes somos constrangidos a nos submeter a situações que, de modo espontâneo, não escolheríamos. Inúmeras são as ocorrências que se sucedem independentemente de nossas opiniões, desejos ou preferências. Nesses casos, em que não nos cabe opinar ou não adianta resistir, somos convidados pela vida a aceitar as ocorrências, simplesmente.
O princípio é fácil de se compreender, mas existem múltiplos obstáculos que colocamos no caminho para sua realização. Quando sentimos que nossos desejos, ambições, preferências pessoais ou caprichos se encontram ameaçados, procuramos meios de nos impor, justificar, insistir ou até mesmo manipular as situações a nosso favor. Ainda nos encontramos significativamente dominados pelo ego, o qual procura nos subjugar de todas as formas possíveis.
Somente a partir do despertar interior, quando se toma consciência de dimensões mais amplas e profundas do próprio ser e da vida, é que se torna possível transcender as tentativas de imposição do ego, e consequentemente experimentar a aceitação.
Sabe-se que, para ser experienciada em profundidade e exercer seu efeito libertador, a aceitação requer a vivência de diversas virtudes, dentre as quais a fé, a humildade, a renúncia e a obediência.
Por aceitação queremos dizer uma compreensão dos mecanismos da vida, o que permite que se acolham aquelas ocorrências que nos fogem ao controle, evitando com isso conflitos, desgastes e sofrimentos desnecessários. Para isso são imprescindíveis lucidez e maturidade, pois, quando necessário, precisamos agir para modificar situações que consideramos erradas, inconvenientes ou inaceitáveis. Diante de fatos que requerem nossa ação transformadora, uma suposta aceitação seria na verdade comodismo, covardia ou omissão, o que não faz sentido em um viver íntegro. Por isso, saber diferenciar os momentos de agir ou de aceitar, de se resignar ou de se esforçar para mudar, requer autoconhecimento e atenção constantes.
Somos convidados diariamente a exercitar a aceitação, quando ocorrências ou pessoas nos contrariam, quando frustram nossas expectativas, quando se mostram diferentes do que havíamos idealizado ou acontecem de modo inusitado.
As expectativas, quando não atendidas, podem levar à frustração e a estados emocionais negativos, portanto alimentá-las de modo exagerado ou fantasioso, seja em relação a pessoas ou ocorrências, cria condições favoráveis para conflitos e decepções. Nesse mesmo sentido, tentar controlar os outros, além de exaustivo, é esforço vão de ter poder sobre o que se encontra fora de nosso alcance. O único controle real que podemos exercer é sobre nós mesmos, ao mudarmos o rumo de certos comportamentos e atitudes, gerando resultados diferentes, melhores.
Um dos maiores empecilhos à manutenção da paz interior é a não aceitação, manifestada como rebeldia e inconformação. Rebelar-se contra ocorrências que não podemos mudar é fonte de conflitos e sofrimentos perfeitamente evitáveis. Por isso, um processo de autoconhecimento, instrução espiritual adequada e trabalho interior torna-se fundamental, habilitando quem a ele se dedica a lidar de forma mais desapegada com as situações que nos contrariem as expectativas. Nesse sentido, o exercício do desapego favorece a aceitação sadia, permitindo que as ocorrências inevitáveis sejam consideradas como parte do fluxo da vida, sem lhe opor resistência desnecessária, o que favorece um viver mais livre e leve.
André Salum é médico homeopata