Basta abrir o jornal praticamente todos os dias e encontrar lá algum assunto referente ao valor do dólar ou euro, ou então a alta nas bolsas de valores, e logo reparar em alguma citação a um velho inimigo do Brasil: o mercado!
Essa “mão invisível do mercado”, como chamam, é como um “quarto poder” no país que atua paralelamente ao Executivo, Legislativo e Judiciário! Dependendo da ação de algum dos três poderes oficiais, o mercado “surta” e coloca tudo a perder.
Aconteceu recentemente com a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de um pacote de medidas fiscais visando economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos.
O pacote inclui a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, prevista para vigorar a partir de 2026, se tudo der certo.
Para compensar, o governo propunha uma taxação maior a quem ganha mais de R$ 50 mil.
Mas adivinha quem não gostou? O mercado! Isso significou um aumento histórico do dólar no dia do anúncio do pacote, chegando a R$ 6,0652, o maior valor desde a criação do Plano Real, além da queda da bolsa em 2,4%.
Mas quem é ele? O “mercado financeiro” não é uma pessoa ou entidade única, mas uma rede de participantes que interagem para movimentar e gerir os recursos financeiros de uma Economia.
Basicamente, os engravatados da Faria Lima: empresários, CEOs de instituições financeiras, bancos, investidores, etc. Gente mais preocupada com números do que com gente.
A falta de confiança do mercado com o atual governo é enorme, chegando a 90% conforme a pesquisa Genial/Quaest.
E todo o chilique pelo fato de acreditar que cobrar menos impostos das pessoas mais pobres poderia ser prejudicial à Economia!
Os tais agentes do mercado, no entanto, fecham os olhos para outros dados relevantes.
A taxa de desemprego no país chegou a 6,2% no trimestre encerrado em outubro de 2024, a menor desde o início da série histórica em 2012.
Já os empregados são 103,6 milhões de pessoas no mesmo período, outro recorde histórico.
A inflação de 4,76%, acumulada em 12 meses até outubro de 2024, está bem abaixo dos índices de 2023 (5,12%) e 2022 (5,79%).
Falemos do PIB que em 2024 alcançou os 4%, acima de 2023 (3,1%) e 2022 (2,9%).
Mas é claro, o mercado ainda acha que o Brasil não está no rumo certo e acorda apenas ao saber que os mais pobres poderiam ficar sem pagar impostos.
Aliás, ninguém nem pode tocar neste assunto que o mercadinho surta!
Acontece que esse é o mesmo mercado que aplaude as economias europeias que há tempos já mantém uma política mais justa de cobrança de impostos conforme o valor que se ganha!
Na Irlanda, onde moro, por exemplo, o imposto de 20% é pago a todos que ganham até € 40 mil por ano! O montante ganho acima disso tem taxa de 40%!
Outros países seguem esse modelo de cobrança progressiva de impostos como Suécia, Alemanha, Canadá e até mesmo Estados Unidos e Austrália!
Será que o mercado por lá também é tão intolerante com políticas públicas para favorecer quem ganha menos? Parece que não!
Hoje, quem mora no Brasil e ganha R$ 5 mil por mês paga o mesmo imposto de quem ganha R$ 50 mil ou R$ 100 mil: 27,5%. Uma grande diferença, não é mesmo? E isso parece justo?
A proposta de Haddad de aumentar a faixa de isenção para R$ 5.000 alinha o país com os exemplos de países acima citados, promovendo maior justiça tributária e reduzindo o peso do imposto sobre as famílias de baixa renda.
Apesar disso, sabemos bem que a mão invisível do mercado acaricia as entranhas de um congresso que está longe de aceitar um país mais progressista!