ARTIGO

“Nenhum homem é uma ilha”


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Há, ainda, aqueles que se debruçam para descobrir os mistérios da vida. Ou que, apenas, desejam entendê-los. Inutilmente, porém. Pois não há o que entender ou descobrir. As coisas são como são. E a vida, em especial, é o que é. Embora haja os que se lamentam por ela e os que tentam ser indiferentes, o mistério há que ser entendido como o entendiam nossos ancestrais da Antiguidade. Ou seja: uma verdade revelada pelo divino, este que é o “Mysterium Magnum”.

Sendo, pois, mistério, há que se manter secreto. Quando ou se revelado, deixa-o de ser. Logo, parece inútil querer compreender a nós mesmos, um ao outro, eis que somos, cada um, o mistério do ser. Talvez, até também os verbos auxiliares pouco revelem, com exceção de um, o estar. Ser, ter, haver... Ser o quê, quem? Ter mais o quê? Haver, aguardar crédito de quem, do quê?  Estar, porém, sempre estamos. Já estivemos e esperamos vir a estar. Ou recorrendo ao consagrado filme: “Ainda estamos aqui”. Ainda.

Aconteceu, apenas, termos nascido. Apenas isso. Coincidência, descuido, acidente, acaso? Como e por quê? Ora, poetas – na sensibilidade dos que pensam com a alma – já o entenderam há muito: “é a ânsia da própria vida pela Vida”. Aquele “crescei e multiplicai-vos” nada mais foi do que a constatação de que – ao criar masculino e feminino – seria inevitável o encontro dos corpos. A partir do entusiasmante desejo divino, tudo se complicou. Não houve mais jeito. A Vida explodiu. E – se a semente masculina contasse – talvez viéssemos a entender a correria enlouquecida daqueles milhões de espermatozoides em busca de apenas um que outro plantar-se no mistério feminino. Lutaram entre si para vencer. Milhões e milhões morreram. E o vitorioso gloriou-se: “Viva eu, o espermatozoide vencedor.”

Nascer, portanto, é uma conquista. Uma escolha. Já não se luta por esse privilégio. Mas pelo fato – seguindo a orientação do Criador – de que as criaturas “crescem e se multiplicam”, a luta há que continuar. Não mais apenas para viver, mas para sobreviver às idiotices que, desde o primeiro casal, ainda se repetem. “Ganhar o pão com o suor do rosto” – eis a punição que o dono do jardim impôs à sua própria criação. Até Deus perdeu a paciência com sua obra. E já faz tempo, muito tempo. E nem sequer adiantou enviar o próprio filho, o Unigênito, para consertar o estrago.

Assim, no entanto, é. Quem aceitar e entender haverá de agradecer aquela sementinha vencedora que lutou para viver a grande aventura. E render graças, também, àquele ventre generoso que aceitou ser fecundado. “Ainda estamos aqui”, encenando mais outro espetáculo de nosso teatro permanente. A peça – no calendário que busca domar o tempo – chega a seu término. Trata-se, porém, apenas de uma pausa. Talvez, uma súplica ao tempo para atores e autores descansarem. Um intervalo.

Famílias, parentes, amigos, vizinhos conseguirão – pelo menos nesse “intermezzo” – lembrar, talvez, que o outro existe. Encontros, reencontros, reuniões, festividades, sentimentos avivados, emoções. E – das mais diferentes maneiras – avaliações e reavaliações de um calendário que se fecha. Além, evidentemente, de expectativas, esperanças, propósitos diante do que está por vir.

Talvez. Bom seria se, então, alguém se lembrasse da herança que nos foi deixada por John Donne, poeta britânico: “Nenhum homem é uma ilha”. Somos parte do mesmo continente. O homem, o ser humano é o “húmus”. E é o “homo”, semelhante. Se não nos é possível “amarmo-nos um aos outros”, que, ao ano que virá, aprendamos, pelo menos, a respeitar-nos. Isso bastará.

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