ARTIGO

A árvore das patacas que era apenas um sonho


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Não é de boa praxe um articulista preencher o seu espaço semanal transcrevendo extenso trabalho de outro autor. Mas, como exceção, não quero deixar de reproduzir aqui um texto escrito pelo meu bom amigo Sr. Humberto Pinho da Silva, português que viveu muitos anos no Brasil e agora, retornado à cidade do Porto, cultiva as letras e curte as saudades do Brasil.

Em épocas de crise social, política e econômica, como a que o Brasil atravessa atualmente, é comum brasileiros procurarem obter passaportes europeus que lhes garantam possibilidades de estabelecimento em países economicamente mais favorecidos. É sobre esses “neo-europeus” que versa a crônica “O transmontano analfabeto”, que passo a transcrever: 
“Casal amigo, recentemente vindo do Brasil, que anda a viajar pela velha Europa, ao passar pela minha cidade, quis visitar-me, e convidou-me para encontro num hotel do centro da cidade. Conversamos sobre a situação politica no Brasil e da América Latina, mormente da Venezuela; e a determinado momento, a conversa descambou para o fato de todos quererem ser europeus. Foi então que narraram a curiosa história, do transmontano, que certo dia, abandonando sua aldeia, partiu para o Rio de Janeiro. Levava consigo a esperança de vir a enriquecer, nesse imenso Brasil onde se contava que havia a árvore das patacas: bastava abanar e o dinheiro chovia…

Desembarcado em terras de Vera Cruz, logo verificou que, para sobreviver, teria que trabalhar duramente; e a famosa árvore só existia na imaginação de poetas excêntricos. Empregou-se num empório. O dono da casa era rude e pouco amável para os gringos, mormente portugueses. De tanto se ver desprezado, transformado em palhaço pobre de circo pobre, pelo fato de ser português, resolveu, quando conseguiu disfarçar a pronúncia, esconder a nacionalidade.

Se sofria com a chacota que faziam aos patrícios? Lá isso sofria… Debochavam, que vinham `de pau e saco às costas´; e com o aparecimento da TAP, `de Tamancos Aéreos Portugueses´, e outros chispes, que a rádio, e mais tarde a TV, lançavam para gáudio de muitos. Mas sofria calado, por medo e vergonha.

Casou. Teve filhos e filhas. A vida melhorou. Comprou casinha… e ele, sempre roído pela saudade da sua terra, ia-se conformando, não só com a nacionalidade, mas com a indiferença e desprezo dos filhos. Prosperados com o trabalho paterno, frequentaram o Ensino Superior; se não tinham vergonha, evitavam, acintosamente, a companhia do pai. Homem inculto, que mal sabia ler, e ainda menos escrever, que trajava modestamente, e trabalhava como galego. Mais tarde, os netos e bisnetos nem o iam visitar - diziam que os afazeres não lhes permitiam. - Para quê?!: Era velho, pobre, rude, analfabeto… E agradeciam ao pai não os ter batizado com apelido português. Hoje podiam usar nomes com Ys, Ws e letras dobradas. Era chique e dava status.

Um dia, o transmontano morreu. Foi sepultado em vala comum, quase como indigente, em caixão modestíssimo, e sem acompanhantes. A família não queria que se soubesse que o antepassado fora daqueles que desembarcaram `de trouxa de roupa e cajado, que lhe servia de bengala´.

Passou o tempo. Passaram décadas. Portugal aderiu à União Europeia; mais tarde ao euro. Agora dizem: `Estão ricos! Ganham em euros!´ Os netos e bisnetos, do velho e pobre transmontano, lembraram-se, então, dele, e pensaram: - `Agora podemos lucrar pelo fato de sermos descendentes desse antepassado! Mas, como?! Nem conhecemos de onde era! Trás-os-Montes é grande!…´

Então, rebuscaram velhos e revelhos documentos. Escreveram a padres e Juntas de Freguesia. Buscaram amigos e parentes; e até um neto percorreu o distrito de Bragança, com foto do agora querido avozinho e palavras sentimentais…, na esperança que alguém fornecesse alguma dica. Já não dizem que andara de Tamancos Aéreos; e invejam, até, os que já obtiveram o almejado cartão que lhes permite serem cidadãos europeus; crentes que não lhes vai acarretar problemas, dissabores e despesas futuras.

Se o velho transmontano, no outro mundo, puder conhecer o que se passa neste, há de rir-se, em grande risota, com outros gringos analfabetos, que envergonhavam a família, por serem italianos, portugueses… europeus analfabetos…” (até aqui, texto de Humberto Pinho da Silva).

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