VISIONÁRIO

Em 1895, Luiz de Queiroz criticou a destruição de florestas

Por Nani Camargo |
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Luiz de Queiroz morreu aos 48 anos, em 1898, antes da inaguração da Esalq, que ocorreu em 1901
Luiz de Queiroz morreu aos 48 anos, em 1898, antes da inaguração da Esalq, que ocorreu em 1901

Não é à toa que o empresário e agrônomo Luiz Vicente de Souza Queiroz sempre foi considerado um visionário. E não só por ser o criador da Esalq, em 1901, mas por todo seu legado junto ao agronegócio brasileiro e ao incentivo à pesquisa científica.

Em 1° de Julho de 1895, em uma publicação feita no jornal 'Revista Agrícola' - um órgão da Sociedade Pastoril e Agrícola - Luiz de Queiroz escreveu um artigo em que falava da importância da preservação das florestas e criticava a destruição de matas. E mais: o texto faz apelo a políticos para que tomem providências.

Veja abaixo, na íntegra, o texto escrito pelo patrono da Esalq, com a supervisão dos 'redactores' Dr. Luiz Pereira Barreto, Dr. Carlos Botelho e Dr. Domingos J. N. Jaguaribe.


Appello ao Governo e às Camaras Municipaes

DESTRUIÇÃO DAS MATTAS

Destruir soberbas mattas de terras uberrimas, que vão ser entregues para sempre á cultura, não é grande mal e mesmo não se poderia recriminar contra esta prática se toda a madeira de lei fosse aproveitada.
Mas destruir mattas ou capoeiras só para tirar duas ou tres colheitas, atear fogo em quasi um districto inteiro, para fazer verde à algumas cabeças de gado, queimar immensos campos e mattas pela locomotiva de estrada de ferro mal dirigida, ou arrasar florestas de íngremes morros, de profundas bacias formadas de nascentes d’água ou beira-rio, ou inutilisar as mattas junto a centros populosos só para aproveitá-las como carvão ou lenha, é simplesmente procedimento de bugres e vergonhoso é que o governo ou mesmo as Camaras Municipaes deixem correr com leis as mais severas por um paradoeiro tão insensato, tão imprudente procedimento.
Com a destruição exagerada das florestas o clima do paiz modifica-se completamente: as estações tornam-se irregulares, as chuvas ora vem cedo, ora tarde, e muitas vezes ou são copiosas demais, ou são notas: ora são caudalosas e há fortes innundações; ora então seccam quasi completamente, a ponto de não andar água para fazer trabalhar a mais insignificante machina, e nas cidades se vêem camiões transportando cambadas de pó, o calor, torna-se abrasador: tudo isso contribue para o mal estar dos habitantes e também para a irregularidade da produção, esterilisando de pouco a pouco.
Lembramos como arvores florestaes de rapido crescimento e de excellente madeira o cedro, o timbó, a cajarana, o pinheiro, o guaratã e muitas outras e as extrangeiras como os eucalyptos, as coniferas, os carvalhos, etc., etc., que em menos de 10 annos poderiam fornecer bem soffrivel taboado.
Para a cultura dessas arvores há despesas só nos primeiros 4 a 5 annos, porque depois a sua conservação pouca despeza occasiona; consta que o rendimento de cada arvore faz de um a dois mil réis de madeira por anno. Acrescerá a vantagem de estas terras terem muito augmento de valor, porque iriam ficar pouco a pouco recompensadas as suas forças productivas.

Quem foi Luiz Vicente de Souza Queiroz?

Precursor do agronegócio, acumulou o papel de fomentador da pesquisa científica e de pioneiro ímpar do ensino superior. Há mais de um século, ele aproveitou as águas do rio Piracicaba para acionar os teares da tecelagem Santa Francisca e os motores da usina elétrica que fez construir para iluminar as ruas e as casas da cidade.

Instalou a primeira linha telefônica da região e acolheu os primeiros grupos de trabalhadores europeus destinados a substituir a mão de obra escrava.

Mas seu espírito inovador ficou ainda mais patente na criação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. A Esalq nasceu em 1901, do sonho do visionário Luiz de Queiroz, doador da Fazenda São João da Montanha ao governo do Estado de São Paulo, para criação de uma escola agrícola. Até 1934, a instituição fez parte da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. A partir de então, passou a integrar a USP, como uma de suas unidades fundadoras.

O agribusiness brasileiro de nossos dias nada mais é do que a realização de seu antigo sonho de uma agricultura movida e protegida pela ciência e pela tecnologia. Sua iniciativa de transformar o que era propriedade sua, em Piracicaba, em bem público, a serviço do país, foi um gesto de tal forma inovador, que só hoje começa a ser compreendido.

Ele morreu subtamente, aos 48 anos, um dia antes de seu aniversário.

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