ARTIGO

“Saudade mata a gente”...


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Dezembro. Outro. Apenas mais um? O último? Ou o primeiro de um recomeço? Tantos e tantos lá se foram que se confundem as lembranças. Como que se atropelam. Alegrias, tristezas, doçuras, amargores, presenças, ausências. E, de quase todos eles – os dezembros – parece ter ficado, marcadamente, a saudade. De pessoas, de coisas, de lugares. De espaços pessoais, de tempos. E envolvido por recordações que palpitam na nostalgia.

Não são festas apenas. Dezembro também dói. Se não para todos, dói e muito para muitos. E – a tantos desses doídos e angustiados – Jesus, o nascituro, desaparece na solidão das perdas. Tantas, também elas. Um outro dezembro, pois. O que deveria ter alma de revéillon – um despertar – machuca por trazer lágrimas de Finados. Pois eles, os nossos finados, surgem mais vivos do que os vivos enlutados. Que, pois, as crianças não nos ouçam. E as mais lindas fantasias e ilusões que as iluminem com a cordialidade do Papai Noel. Jesus saiu, Papai Noel chegou.

Ah! Papai Noel, o meu Papai Noel... Quanto o amei ao descobrir quem era ele, sob a risonha e cativante máscara. Vi-o chegar na madrugada do meu dezembro infantil, aos encantados cinco anos de idade. Como um tesouro, tudo me ficou guardado num dos escaninhos da memória. O céu – vejo-o ainda – azulara-se como que anunciando revelações transformadoras. E havia estrelas, muitas. Mas não vi a de Belém.

Ainda agora, relembro-me da criança de olhar perscrutando o espaço mágico, insone numa pequenina e humilde cama encostada à parede. E sob a janela. Toda aberta, ao calor daquele dezembro, à espera do trenó movido pelo doce velhinho. E as renas, como seriam belas! Mas, Papai Noel chegou pela porta. Silenciosamente, na penumbra. Deixou – e penso tenha-o beijado antes – um embrulho aos pés da criança. Não da nascida em Belém, mas da criança, filho dele. Meus pés tocaram o pacotinho – ouço, novamente, o suave ruído do celofane – dei um grito de alegria. E vi Papai Noel esgueirando-se pela porta e à meia luz. Descobri: meu pai era Papai Noel. Papai Noel era meu pai. E, em mim, continuou sendo para sempre. Mas... Naquela noite, e o Menino, lá da gruta de Belém? Onde estava Ele?

E dezembros continuaram chegando. Uns e outros, mais do que alguns, muitos. Ao longo da infância, da adolescência, dezembros confusos da juventude, realistas da maturidade. E adoráveis dezembros de quando aquela criança – a que fui – quis ser Papai Noel para seus próprios filhos. E, então, a descoberta, a sensação, o desejo intenso de que fosse certeza: eu queria ser o Papai Noel daqueles meus Meninos Jesus, os cinco, com que nos presenteara a Vida. A parti daí – não importa se pretensiosamente – em cada dezembro eu me sentia o Verbo do qual meus filhos eram carne. Mas não lhes dei incenso, ouro e mirra. Fui um outro Papai Noel. Participei da fantasia, amantíssimo pai de seus filhos.

Chegou, pois, dezembro. Também em mim. E para mim. Se saudade tem cheiro, deve ser o de rosas esmagadas. Se tiver som, seria o de sussurros indecisos: de expectativa, de ansiedade. Dezembro – trazendo o Natal, anunciando um final de jornada – continua, em mim, triste como pesarosas são todas as despedidas. No entanto, há que se entender, mesmo evitando fazê-lo: Natal é, também, o fim do que, durante o ano, foi antes. Algo acabou. Mas, quase tudo o que termina deixa seus rastros.

Uma antiga canção – na voz do homem enamorado – entoava o lamento: “A saudade mata a gente, morena. A saudade é dor pungente.” Vai matando lentamente. Por isso – já se tentou defini-la – a saudade é a vontade de outra vez. Nada mais, pois, do que simples vontade...

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