ARTIGO

Sonho: uma palavra polissêmica


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No castelhano, a palavra “sueño” tem duplo sentido, ela tanto pode ser traduzida por sono como por sonho, o que provoca frequentes confusões entre as pessoas que estão adentrando os estudos desse idioma. Somente pelo contexto da frase é possível deduzir-se em que sentido a palavra está sendo empregada. Já no português, sonho não se confunde com sono, mas mesmo assim a palavra sonho pode comportar mais de um sentido. Trata-se, sem a menor sombra de dúvida, de uma palavra polissêmica.

Em sentido próprio, designamos em português como sonhos os fenômenos oníricos bem caracterizados que ocorrem durante o sono, especialmente no seu estágio mais profundo; ou então naqueles estados mais leves de sonolência, quando dormitamos ou, em linguagem popular, cochilamos. Em ambos os casos sonhamos sem estar na posse da plena consciência, sendo nosso cérebro ocupado por imagens e sensações em que se mesclam recordações de acontecimentos reais, de emoções e temores mais ou menos presentes ao nosso espírito quando estamos acordados e conscientes.

A palavra sonho também possui outros sentidos em nosso idioma, tais como anseio, ideal, utopia, imaginação, fantasia, delírio etc. Pode-se ainda falar do chamado sonho em vigília, ou “sonho de olhos abertos”, quando deixamos consciente e voluntariamente nossa imaginação correr solta e sem controles, de modo análogo ao do sono noturno, mas muito diverso dele.

Mas, concentremo-nos nos sonhos propriamente ditos. Até hoje médicos e psicólogos os estudam, mas estão muito longe de ter dominado o assunto. As imagens e sensações dos nossos sonhos são quase sempre desencontradas e incoerentes, se bem que, ao despertar, parecem-nos reais e até impressionantemente reais. Por vezes até nos parece que cores, sons e cheiros impregnam vivamente nossos sonhos. Os sonhos se exprimem predominantemente por impressões visuais, mas ocorrem também, em muito menor número, impressões auditivas; e, mais raramente ainda, impressões gustativas ou olfativas.

Desde tempos imemoriais o homem sonha. O sonho marcou invariavelmente presença nas tradições orais e nas literaturas dos povos, o que é, aliás, bem compreensível, já que a atividade cerebral onírica, realizada durante o sono, exerce importante função na vida humana, nela ocupando considerável espaço de tempo: cada um de nós sonha pelo menos duas horas por noite de sono. Um homem de 60 anos de idade, portanto, terá dormido cerca de vinte anos e terá sonhado pelo menos cinco anos.

Os sonhos são importantes para a preservação da saúde, sendo necessários para o equilíbrio mental e biológico dos indivíduos, assim como a oxigenação, o sono e a boa alimentação; neles se alternam tensões e distensões psíquicas, e de sua falta decorrem desequilíbrios psíquicos e mentais. As crianças começam a sonhar muito cedo, sendo que os sonhos nessa fase da vida são bem simples e exprimem, quase sempre, a realização de desejos; nos idosos, observa-se uma tendência a se enfraquecer a atividade onírica, acompanhando a diminuição de toda a vida psíquica; de um modo geral, as mulheres sonham mais do que os homens, ou pelo menos têm mais facilidade para recordar os próprios sonhos.

Em todas as épocas e lugares, nas mais diversas culturas, sempre se observou a tendência para os sonhos serem entendidos não apenas como fenômenos naturais e fisiológicos, mas se inserirem numa dimensão simbólica e religiosa, pois o mistério que os envolve suscita, por si mesmo, inquietação e curiosidade no espírito humano com relação ao futuro e à vida após a morte. Numa perspectiva antropológica, os sonhos sempre foram, por assim dizer, portas ou janelas por onde se buscou acesso a uma ordem de realidades transcendentes, que ultrapassam a vida concreta do dia-a-dia.

Assim, o primeiro livro da História a ser impresso - e sem dúvida o livro religioso que mais marcou a História de todos os tempos - a Bíblia Sagrada, não poderia deixar de conter referências a manifestações oníricas de natureza diversa, desde sonhos comuns e sem maior significado, até sonhos proféticos em sentido próprio, ou seja, aqueles que consistiam em formas de comunicação entre Deus e os homens, por intermediação de profetas encarregados de conduzir o Povo de Deus segundo os desígnios do Senhor.

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