ARTIGO

Cecílio adulto


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Corria o ano de 1982. O Teatro João Caetano, localizado na Praça Tiradentes, no coração do Rio de Janeiro, recebia a peça “Leiaute”, com o ator Cláudio Correia e Castro. Em visita à cidade, o casal Cecílio Elias Netto e a esposa, Mariana, compraram dois ingressos. A viagem fora recomendação do psiquiatra e amigo Dr. João Forastieri, que lhe diagnosticara estafa mental.

Atribulado e assoberbado com as demandas que a edição do Jornal O Diário exigia, Cecílio sofria de insônia. Conseguia dormir apenas duas horas por noite e, durante o dia, vivia irritado e cansado. Comoveu-se e identificou-se com o personagem — um publicitário em crise profissional. Finda a peça, fora conversar com o ator. Transformado após a catarse vivenciada, Cecílio percebera que deveria tomar uma decisão: venderia O Diário.

Experimentara alívio temporário e pudera dedicar-se, com maior afinco, à literatura. Em 1987, publicava a primeira das seis edições do seu livro mais conhecido: “Arco, Tarco, Verva— Dicionário do Dialeto Caipiracicabano”, que o tornaria famoso na cidade e no Brasil. Apaixonado por sua terra natal, abraçaria a missão de conservar, de preservar, de proteger e de propagar a riquíssima história de Piracicaba. Cecílio somava 47 anos. Desses, 38 fumando.

O cigarro, produto extremamente prejudicial à saúde, no médio ou no longo prazo, cobrará preço alto a quem insistir em seu uso, apesar de tanta informação e alerta. Devido às diversas substâncias altamente tóxicas encontradas em sua composição, o cigarro provoca mais de 50 doenças, com consequências graves à saúde, entre elas, as doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio, o AVC e a angina — as mais prevalentes na conta do tabagismo.

Principal causa do infarto, a aterosclerose consiste em placas de gordura acumuladas no interior das artérias, que podem favorecer a formação de coágulos, obstruir, parcial ou completamente, o fluxo sanguíneo e, daí, o recebimento de oxigênio pelo músculo cardíaco. Homens fumantes têm três vezes mais chances de sofrer um infarto, comparados aos não fumantes. A visita periódica ao cardiologista, a fim de planejar o tratamento e de realizar a mudança no estilo de vida, que inclui o tratamento do tabagismo, mostra-se imprescindível para uma vida saudável.

Sentado, sozinho, à mesa, na varanda da casa e rodeado por árvores e por plantas, escrevia. Sentia a brisa cálida da manhã e ouvia o canto dos pássaros. Súbito, sentiu uma dor estranha na mão esquerda, que logo subira pelo braço e se fora localizar no peito. Soubera, com certeza, que sofria um infarto. Olhou para o cigarro aceso entre os dedos da mão, tragou-o bem fundo e jogou-o ao chão — o último que fumaria na vida.

Um artigo publicado no European Heart Journal revelou uma constatação surpreendente: mais da metade dos fumantes que passam por algum problema de coração voltam a fumar após a recuperação. Para aqueles que conseguem abandonar o vício, como Cecílio, o risco de morte reduz-se à metade após um ano sem os cigarros.

Levantou-se, subiu ao quarto, barbeou-se, banhou-se e chamou o vizinho, que o levou ao hospital. O diagnóstico confirmara-se e a decisão de parar de fumar e de não voltar atrás, também.

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