OPINIÃO

135 anos de um golpe de Estado: comemorar ou lamentar?

Por Marcelo Batuíra Losso Pedroso |
| Tempo de leitura: 6 min

Nesse ano de 2024, se "comemora" ou, com maior veemência, se lamenta, os 60 anos golpe de Estado de 1964. Foram 21 anos de governos impostos por militares, sem qualquer escolha por parte do povo. Ou seja, sem eleições. A democracia, ou traduzindo a terminologia grega, o "governo do povo", teve uma suspensão de 21 anos na história brasileira.

Mas hoje se "comemora" outro golpe de Estado, senão pior, certamente, bem mais duradouro: são 135 anos de governos federais supostamente eleitos por meio de eleições livres. Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, "no Brasil, onde desde 1889 o regime se chama república, só houve eleições minimamente decentes para a presidência em 1945, 1955 e 1960 - e eleições livres de 1989 para cá". Ou seja, não dá para dizer que o regime chamado republicano instaurou no país uma democracia.

República é um conceito romano, como democracia é um termo grego. Vem de 'res publica', coisa pública, por isso, no Ocidente, em qualquer língua, convencionou-se que republicano é "aquele que coloca o interesse público acima do interesse particular". Terminologia muito boa para propaganda política. Mas se pensarmos em nossos presidentes será mesmo que podemos lhe aplicar esse conceito tão moralmente elevado?

A contra sensu, se me perguntassem qual de nossos governantes eu indicaria como sendo aquele que mais se aproxima desse conceito romano de república (o de "colocar o interesse público acima do particular") só uma pessoa me vem de pronto a mente. Não é Jucelino Kubitschek, não é Jânio Quadros nem tampouco Lula ou Bolsonaro. De forma alguma. Nem mesmo seria nosso conterrâneo Prudente de Moraes, longe disso! Esse governante não é ninguém menos que D. Pedro II.

Mas como pode um monarca ser o homem símbolo do ideal republicano? A explicação é muito simples: existe uma confusão (proposital) entre República e Democracia como se fossem uma coisa só. Mas não são. Pode haver democracia numa monarquia, assim como é possível não se encontrá-la num regime republicano (e o Brasil é o melhor exemplo disso). Primeiro é preciso saber no que você põe sua fé, se na democracia ou na república; e depois, se compreende bem a diferença entre ambas.

Há 135 anos, nenhum de nós éramos vivos, logo, não tivemos como testemunhar a forma como se deu esse golpe de Estado. E ainda, como o pivô desse grande golpe, o Marechal Deodoro (sim, um militar), foi ardilosa e inescrupulosamente manipulado pelos políticos de sua época a fazer o que não queria.

Por anos, nós também fomos manipulados no conhecimento da história: como explicar termos um feriado nacional para comemorar um golpe de Estado que aboliu a vontade popular? Como explicar que esse golpe era a vontade de uma minoria oligárquica descontente com a abolição da escravatura?

Mas como dentro da História, há muitas outras estórias e histórias,  melhor saber a verdade tardiamente, do que continuar repetindo sua professora de história do ginásio. Você até pode continuar a contar nove vezes a mesma mentira, mas ela não deixará de ser um embuste.

A despeito da intensa propaganda republicana, a idéia da mudança de regime político não ecoava no país. Em 1884, foram eleitos para a Câmara dos Deputados, apenas três republicanos, inclusive os futuros Presidentes da República, Prudente de Morais e Campos Sales. Na legislatura seguinte, apenas um conseguiu ser eleito. Na última eleição parlamentar realizada no Império, a 31 de agosto de 1889, o Partido Republicano só elegeu dois deputados.

Percebendo que não conseguiriam realizar seu projeto político pelo voto, os republicanos optaram por concretizar suas ideias através de um golpe militar. Para tanto, procuraram capitalizar o descontentamento crescente das classes armadas com o governo civil do Império, desde a Questão Militar. Precisavam, todavia, de um líder de suficiente prestígio na tropa, para levarem a efeito seus planos.

Foi assim que os republicanos passaram a aproximar-se de Deodoro, procurando seu apoio para um golpe de força contra o governo imperial. O que foi difícil visto ser Deodoro homem de convicções monarquistas, que declarava ser amigo do Imperador e lhe dever favores. Dizia ainda Deodoro querer acompanhar o caixão do velho Imperador.

Em 14 de novembro de 1889, os republicanos fizeram correr o boato, absolutamente sem fundamento, de que o governo do primeiro-ministro liberal Visconde de Ouro Preto havia expedido ordem de prisão contra o Marechal Deodoro e o líder dos oficiais republicanos, o Tenente-Coronel Benjamin Constant. Tratava-se de proclamar a República antes que se instalasse o novo Parlamento, recém-eleito, cuja abertura estava marcada para o dia 20 de novembro.

A falsa notícia de que sua prisão havia sido decretada foi o argumento decisivo que convenceu Deodoro finalmente a levantar-se contra o governo imperial. Pela manhã do dia 15 de novembro de 1889, o marechal reuniu algumas tropas e as pôs em marcha para o centro da cidade, dirigindo-se ao Campo da Aclamação, hoje chamado Praça da República.

Penetrando no Quartel-General do Exército, Deodoro decretou a demissão do Ministério Ouro Preto – providência de pouca valia, visto que os próprios Ministros, cientes dos últimos acontecimentos, já haviam telegrafado ao Imperador, que estava em Petrópolis – RJ, pedindo demissão. Ninguém falava em proclamar a República, tratava-se apenas de trocar o Ministério, e o próprio Deodoro, para a tropa formada diante do Quartel-General, ainda gritou um "Viva Sua Majestade, o Imperador!"

Enquanto isso, D. Pedro II, tendo descido para o Rio de Janeiro, em vista da situação, reuniu o Conselho de Estado no Paço Imperial e, depois de ouvi-lo, decidiu aceitar a demissão pedida pelo Visconde de Ouro Preto e organizar novo Ministério.

Os republicanos precisavam agir rápido, para aproveitar os acontecimentos e convencer Deodoro a romper de vez os laços com a monarquia. Valeram-se de outra notícia falsa. Quintino Bocaiúva e o Barão de Jaceguai mandaram um mensageiro a Deodoro, para informar-lhe que o novo primeiro-ministro, escolhido pelo Imperador, era Gaspar Silveira Martins, político gaúcho com quem o Marechal não se dava por conta de terem disputado o amor da mesma mulher na juventude. Assim, foi Deodoro convencido a derrubar o regime.

Pelas três horas da tarde, reunidos alguns republicanos e Vereadores na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, foi lavrada uma ata, declarando solenemente proclamada a República no Brasil, que foi levada ao Marechal Deodoro.

À noite do dia 15, o Imperador encarregou o conselheiro José Antônio Saraiva de presidir o novo ministério. O novo Primeiro-Ministro se dirige por escrito ao Marechal, comunicando-lhe a decisão do Imperador, ao que responde Deodoro que já havia concordado em assinar os primeiros atos que estabeleciam o regime republicano e federativo.

O golpe já estava consumado. No dia seguinte, a família imperial foi expulsa do país. Hoje se comemora justamente 135 anos desse lamentável episódio. Até mesmo com direito a feriado nacional. Só mesmo no Brasil.

Se olharmos a recente história pregressa de nossa República, não resta dúvidas de que só um verdadeiro monarca pode representar o ideal republicano.

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