Longe, muito longe de mim pensar em ir-me embora. Quero ficar por aqui “ad aeternum”. Ou, então, ser o último a apagar a luz. Lá se me foi o tempo de pensar em outro lado. O mistério da vida deveria ser suficiente para não cogitarmos de outras. Ora, se é mistério há que, necessariamente, ser secreto, não revelado. Vai daí, chega-se a Deus, à Criação. E, diante do “Mysterium Magnum”, nada resta a fazer senão render-se. Dando graças.
No entanto, o final acontece. Queiramos ou não. Tolice – ou mau gosto – parece-me até mesmo o simples pensar nisso. Perde-se tempo, deixando, assim, de usufruir e fruir do que nos foi dado aqui e agora. O incrível está em, mesmo sabendo de a festa chegar ao fim, não se aproveitar o privilégio de ser um dos convidados. O amanhã, o depois – imprevisíveis, incertos – parecem-nos mais valiosos do que o hoje, o agora. No entanto, a sabedoria antiga já nos orientara: “o que será, será”.
No sempre surpreendente Tarô, há uma figura que pode representar-nos. A do Mago. É o criador de um mundo ilusório e, por isso mesmo, fascinante. Como o próprio ser humano, ele é ambivalente. Talvez mais do que isso. Pois, ao mesmo tempo, revela o sonho e a realidade, a certeza e a mentira, o alto e o baixo. Ora, e cada um de nós não seria esse artista ao longo da vida? São, porém, inúteis perguntas para o que não há resposta.
Mas, e se houvesse uma outra vida, uma outra vez? Se houver? Também a essa hipótese o escrevinhador não saberia responder. Até mesmo porque hipótese só pode tornar-se realidade após analisadas suas consequências. Logo, uma outra vez? Como seria? “Chi lo sa” ?” No entanto – se acontecesse – sei do muito que gostaria se repetisse. E do tanto que, também, evitaria. Se viver é aprender, alguma coisa aprendi. Ainda aprendo. Quase, porém, chego a crer que mais sábio é nada saber. Vai daí, acreditar em lições antigas, surpreender-se com cada pôr do Sol, com a chuva caindo, luciluzir de estrelas. E até com voos de passarinhos.
Numa outra vez, todavia, penso no meu direito de exigir condições. Devo tê-lo. Pelas esperanças que vivi, por tolices cometidas. Especialmente, por ter racionalizado tudo aquilo que deveria, apenas, ter sentido. Eis, talvez, o segredo. Pensar com o coração e só depois agir. A razão – que dizem ser privilégio humano – é boba demais. Querer entender, para quê? Passei a entender que, apesar de mim mesmo, tudo está conforme foi idealizado. E não mais importa saber criado por quem. Aprendi: quando tentado a questionar, percebo-me cutucado por pequenas palavras já antes anunciadas: “Avezinhas do céu, lírios dos campos...”
Condições para retornar nada mais me são do que reconhecimento de belezas, de delícias, de amor. Poucas, mas realizadoras: voltar a nascer aqui, nesta minha amada cidade. E através dos mesmos pais. E com alguns da grande família, dos amigos e conhecidos. E com os mesmos, mesmíssimos, filhos. E com a mesma mãe que os gerou. Com um ou outro dos diversos amores, mulheres que amei. E jamais, nunca mais ser obrigado a fazer coisas, a participar de rebanhos humanos. Quero respeito para, por mim mesmo – em reta consciência – descobrir e aceitar o outro, a comunidade. E, finalmente, entender sermos gerados do mesmo barro, o “húmus” de humanidade. Apenas isso.
Bobagens, tolices foram muitas. Ainda há algumas. Não mais quero, não posso e nem devo repeti-las. Houvesse, pois, outra vez, perceberia a diferença abismal entre existir e viver. A pedra existe, mas não vive. O humano existe e vive. E viver é muito mais do que sobreviver.
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