ARTIGO

Utopia caipira


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Antes de quaisquer delongas: pedi, mentalmente, licença a Sir e Santo Thomas Morus para abusar do título e da proposta de seu livro imortal, “Utopia”. E, de certa forma, deve ter havido algum propósito fazê-lo logo após as eleições municipais. Pois o revolucionário filósofo e humanista foi declarado “Padroeiro dos Políticos e dos Governantes”. Que, pois, o santo e sábio venha em proteção e inspiração deles e da população. 
    Utopia (utopos, em grego) é o lugar nenhum, o que não existe. Logo, pode e deveria ser criado. Ou apenas desejado, mesmo sabendo-o irrealizável. Quem não idealiza esse “lugar inexistente” como projeto de um novo mundo, uma nova sociedade? E por que não recuperar a Piracicaba – essa eterna Noiva – na sua admirável e bela história? Certamente, Luiz de Queiroz, Prudente de Moraes, Sud Mennucci – e tantos de nossos antecessores – viveram o sonho de, em nossa terra, criar a utopia caipira. E, então, transformá-la em eutopia. A que existe. 
    Sei lá o quê ou como pensam os eleitos, alguns deles já se articulando para a próxima eleição. Devo, pelo menos, ter o direito de imaginar a minha cidade ideal. Até mesmo como fantasia. Ninguém tem, assim, nada a ver com meus sonhos, sejam eles dormindo ou de olhos abertos. Minha cidade é aquela que eu conheço – onde nasci, vivo, amo, trabalho, tenho família – há mais de 80 anos. É aquela Piracicaba cantada por Newton de Mello, “cheia de flores, cheia de encanto”. É a Piracicaba das escolas, da monumental Esalq, da cordialidade, das belezas naturais, do rio formoso que a serpenteia, da gente caridosa, de instituições criadas para o bem comum. Temporais que a têm assolado hão de passar. Ou de amainar. Não sei quando, mas irão.
    Fosse, eu, pintor, haveria de colori-la mais. Todos os muros – como já ocorre em alguns – seriam adornados com criações humanas. De alegria, de paz, de festa, de gratidão. Ruas, coalhadas de flores, especialmente em janelas abertas ao mundo. Pintaríamos as sarjetas ora de branco, ora de azul. Nunca de vermelho. E onde houvesse pessoas soaria música. Suave, terna. Até mesmo melancólica, estimulando a reflexão. Debussy, Chopin, Mozart, Beethoven. E, também, sambas canções. De Tom Jobim e Vinicius, preferencialmente. 
    Longe, muito longe do sonho digamos que enlouquecido de Jesus – de amarmo-nos uns aos outros – Piracicaba seria abençoada com um só sentimento: respeito. Respeitarmo-nos-íamos coletivamente. Também ou preferencialmente, nos pequeninos atos. E no silêncio, na moderação, permitindo que brisas e ventos entoem as suas canções cotidianas. Uma cidade sem insuportáveis explosões de motores e de buzinas, de apitos de fábricas, de verdadeiros relinchares de carros de polícia e de ambulância. Até os sinos das igrejas bimbalhariam melodias tranquilizantes. 
    Em minha utopia caipira, alguns lugares seriam tão respeitados que, neles, entrar-se-ia com a ponta dos pés. Rua do Porto, Monte Alegre, terras da Esalq, Santa Olímpia, Santana, Igreja dos Frades, de São Benedito, Metodista, jardins – apenas alguns entre tantos. Ah! e quase me esqueço: a nenhum avião – grande ou pequenino – seria permitido fazer propaganda nos ares. Nem mesmo de circo. Como já o dissera Castro Alves: “a praça é do povo como o céu é do condor”. 
    E, ao fim do espaço, um sonho ainda maior: Piracicaba convocaria todos os artistas e os elegeríamos para prefeito e vereadores do município. O artista pensa com o coração. De razão, não é mais preciso. De sentimentos, é preciso.  
    Dirá alguém: “sonho impossível”. E daí? Possível é continuar vivendo no caos?

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