ARTIGO

Estará retornando o bom senso?


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Armando Alexandre dos Santos (*)


Volta à pauta dos debates políticos a momentosa questão de saber se celulares devem ser proibidos em salas de aula. Está em discussão na Câmara dos Deputados um projeto nesse sentido e, segundo notícias, o Executivo também se preocupa com o tema. O atual ministro da Educação, comenta-se, estaria preparando um projeto de lei que proibirá o uso de celulares dentro das salas de aula, tanto nas escolas públicas como nas particulares - exceção feita, claro, de ocasiões especiais em que, por iniciativa do docente, os alunos sejam incentivados a usar seus aparelhos para alguma pesquisa. Vejo com bons olhos esses projetos de lei restritivos do uso (e abuso) de celulares. Será um começo de retorno ao bom senso? Queira Deus que sim!
Desde 2007, pelo menos, diversas propostas cerceadoras do uso de celulares em salas de aula foram apresentadas no plano nacional, mas nenhuma vingou. Em âmbito estadual, algumas foram aprovadas, se bem que autoridades estaduais “moderninhas” incentivem o uso, afirmando que a garotada gosta de celular e o sistema de ensino precisa se adaptar aos novos tempos. Infelizmente, a praga se generalizou. Até 10 anos atrás, quando eu lecionava no Ensino Médio, já era muito prejudicial, agora deve ter piorado muito.
Poucas coisas atrapalham tanto o ensino e o aprendizado quanto os celulares em salas de aula. É incrível como um aparelhinho que há trinta e poucos anos nem existia se tornou indispensável à vida moderna. E como infernizam a vida! Há algum tempo, fiz uma viagem de Campinas até Piracicaba. Durante quase toda a viagem, os passageiros foram obrigados a ouvir os relatos de uma passageira que falava em altíssimo volume, sem se importar com os demais viajantes. Ela devia estar falando com alguém com problemas de audição, porque repetia 3 ou 4 vezes cada frase, aumentando a cada vez o volume e o tom de voz. E se exprimia no mais puro “estilo presidencial”, omitindo os SS dos plurais e os RR finais dos verbos no infinitivo.
Nas salas de aula, repito, os celulares são uma verdadeira praga. Pouco a pouco se impôs o entendimento de que ter e usar o celular é um direito do aluno e o docente não pode fazer nada contra. Muitos alunos ficam, literalmente, dependentes psicológicos do celular, não conseguindo desgrudar-se dele. Já vi casos de alunos que atendem a telefonemas de suas mães, durante a aula. As mães sabem que os filhos estão na aula, mas telefonam. Também elas parecem dependentes dos malditos celulares. Recordo que certa vez, durante uma prova, a mãe de uma aluna telefonou para saber se a filha queria batata frita no almoço!
Em provas, celulares facilitam “colas” e trocas de informações entre os alunos. Muitas vezes, estes são tão hábeis que os professores nem percebem. Aconteceu certa vez que uma aluna minha fez uma prova dissertativa de História, apresentando respostas maravilhosamente bem redigidas, em períodos longos e concatenados, com verbos no subjuntivo formando orações subordinadas, com preposições adequadas fazendo as ligações. As novas gerações já quase não usam orações subordinadas nem o modo subjuntivo, pois seus textos costumam ser uma sucessão de coordenadas mal costuradas umas com as outras... Era evidente a “cola”. Bastou procurar no Google e foi facílimo comprovar que quase todo o texto havia sido copiado de um site da internet. Chamada às falas, a aluna reconheceu que havia colado, pelo celular, e teve nota zero na prova. O mais incrível é que ela esteve, durante toda a prova, sentadinha a menos de dois metros de distância de mim, e nem percebi que ela, com o celular sobre as pernas, “colou” tudo. 
Não é só na escola que os celulares prejudicam. Também nos lares e no âmbito das famílias. As pessoas, viciadas no tal aparelhinho dele não desgrudam para nada, até mesmo durante as refeições. Já vi, em restaurantes, almoços dominicais de grupos familiares em que todos - filhos, pais e até avós - comem sem conversar, todos com olhos esbugalhados hipnotizados pelos respectivos celulares. Já soube, também, de mães que, da cozinha, avisam os maridos e filhos quando a comida está pronta. Estão todos no mesmo apartamento, a poucos metros de distância, mas a comunicação se faz pelo celular.


(*) Doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Piracicabana de Letras e do IHGP.

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