No ano de 2007, um filme brasileiro caiu como uma bomba nas salas de cinema de todo o país. Tropa de Elite foi uma virada de chave para a Sétima Arte em terras tupiniquins.
O longa de José Padilha tinha como objetivo mostrar as entranhas de uma companhia policial que botava medo nos bandidos, usando artifícios nada “cristãos” para isso.
O que seria uma crítica a todo um sistema policial e a violência que ele carregava acabou criando o maior anti-herói do cinema brasileiro: Capitão Nascimento. O bruto personagem do excelente ator Wagner Moura fazia juz a uma frase que seria tão repetida anos anos depois: “bandido bom é bandido morto”.
O chefe da corporação, que fazia aspirantes comerem o pão que o diabo amassou, tinha o ar de superioridade para qualquer “macho” da vida real suspirar de amores.
Dito e feito, os “machões” adoraram seu novo herói, repetindo bordões como “pede pra sair” e vestindo a farda do Bope (Batalhão de Operações Especiais) em festas à fantasia.
A produção do filme e os atores não entenderam nada na época. Ficou aquela sensação de que o tiro saiu pela culatra e as pessoas estavam deixando o cinema querendo “ser” o Capitão Nascimento e não criticando suas atitudes.
Três anos se passaram e Tropa de Elite 2 chegou aos cinemas, com os espectadores sedentos para ver seu anti-herói novamente em ação.
Na nova história, os bandidos não eram só os traficantes, mas também os próprios policiais e os políticos por trás das corporações. O cenário saiu das ruelas para entrar pelos corredores cinzentos das secretarias de segurança e no púlpito das casas de lei.
Capitão Nascimento foi combater seus próprios medos e um sistema que era o maior inimigo da população, e não mais um morador de favela com uma arma na mão.
Resultado: a clara decepção dos espectadores, que criticaram a versão “politicamente correta” do novo filme, mesmo ela sendo mais realista.
Quase uma década se passou e um personagem manjado dos quadrinhos ganhou protagonismo no filme “Coringa”, de 2019. Porém, ao invés de um personagem caricato, o diretor Todd Phillips desenhou sua versão humanizada, cheia de defeitos e imperfeições.
O vilão Arthur Fleck, no entanto, apesar de ter sua maldade explicada a partir dos acontecimentos de sua história, ainda assim era um vilão. Mas o tiro também saiu pela culatra e o personagem foi ovacionado por uma parcela da população com um pensamento deveras torto.
Homens, em sua maioria heterossexuais frustrados, parte de uma bolha chamada “red pill” -- também chamados “incels” (do inglês, celibatários involuntários) -- coroaram o personagem do Coringa como seu anti-herói, usando sua imagem para divulgar suas ideologias conservadoras. Ou seja, o tiro mais uma vez saiu pela culatra.
Em 2024, o novo filme “Coringa, Delírio A Dois” foi a resposta mais contundente de Todd Phillips aos fãs do primeiro longa. O diretor desconstruiu sua própria criação. Aquele Joker valentão agora se mostra um patético e fraco prisioneiro, que precisa carregar os próprios excrementos toda manhã de sua cela suja.
Phillips desfigura o mito com precisão, acionando duas características que parecem fazer os fãs do Coringa odiar: arte e amor.
Fleck se apaixona por Lee (ou Arlequina), personagem de Lady Gaga, e tudo se torna um grande musical. Ao invés de um anti-herói, ele se mostra ser apenas um fracassado que almejou um dia o caos, mas que agora só queria um final feliz para ele.
“Coringa, Delírio A Dois” não é um filme ruim para quem não espera dele um roteiro palatável de um mito anti-herói, como foi o primeiro, e se você saiu do cinema decepcionado é porque não entendeu nada.