ARTIGO

“E agora, José?”


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Cecílio Elias Netto


 A grandeza de um artista está na perpetuação de, pelo menos, uma de suas obras. E é aquela que fica na memória, lembrada em momentos quando se buscam referências. De Carlos Drummond de Andrade não há mais o que se dizer. Pois, além de todo o já dito, palavras não são mais o bastante. E uma de suas heranças sempre nos aparece quando, após coisas ocorridas, aguardamos – ora com temores, ora com esperança – o que virá ao depois. 
 Encerrado o primeiro turno das eleições municipais, sobra-nos a expectativa – feita de dúvidas, de preocupações – quanto à próxima etapa. E Drummond surge em nosso auxílio, com seu imortalizado poema “E agora, José?” Pois, já nos primeiros versos, está a pergunta que deve inquietar os eleitores: 
 “E agora, José? A festa acabou / a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou. E agora, José?” Pois, a eleição acabou, o holofote apagou, o povo acalmou, a dúvida aumentou. E agora, José – em quem votar, quem escolher? E mais importante ainda: que critério haverá José de adotar? Será levado às urnas apenas por obrigação, para cumprir a legislação? Votará por escolha consciente ou por influência ou dependência de outrem? Pensará em si mesmo ou no seu pequeno mundo familiar, de dependências – ou entenderá tratar-se de um bem maior, o da comunidade, de um povo? 
 Não há como – pensa o escrevinhador – deixar de admitir tenham, os eleitores de Piracicaba, escolhido dois candidatos mais preparados, pelo menos em experiência e atuações político-administrativas. No entanto, por mais primária seja, uma simples análise da campanha do turno encerrado está a dizer-nos da fragilidade de propostas, da mesmice delas. E, por triste também, da fuga aos grandes problemas não abordados, esses da desafiadora questão social, um martírio que atinge a dignidade dos infelizes e desprotegidos marginalizados. Ora, para quem primeiro governar, senão para os mais necessitados, os infelizes sem morada, sem saúde, sem capacidade até mesmo para sobreviver?
 José tem, sim, dois candidatos competentes, com vasta experiência para escolher. Mas José está com um sério, gravíssimo problema para tomar decisões: a falta de informações, a ausência de discussões de problemas gravíssimos que vão além, muito além, de construir ou de recapar avenidas, de realizar grandes obras visíveis, mas úteis apenas a uma parte menor da população. José – esse eleitor anônimo, talvez perdido na multidão – desconhece o que seja um partido político, qual sua função, quais seus interesses, o porquê deles. Não sabe – talvez – nem mesmo qual a explicação para ser obrigado a votar. 
 O fato real e auspicioso, porém, é que, ainda outra vez, a nossa tão frágil e tenra democracia sobreviveu. Mais um passo em busca de sua consolidação. Claudicante ainda, ainda hesitante. Mas resistente. A Câmara Municipal foi renovada em um terço de seus ocupantes. Os 16 reeleitos haverão de perceber ter sido, essa eleição, talvez o canto do cisne de uma época, de um sistema eleitoral já superado. Que se considerem absolvidos por deficiências destes e nestes últimos anos de decepções. O atual prefeito foi julgado pela população eleitora. E recebeu uma das mais retumbantes e inéditas condenações políticas de nossa história: quase 100% de reprovação. 
 José, porém, ainda está como estava. E Drummond já no-lo revelou:
 “Está sem mulher/ está sem discurso/ está sem carinho/ já não pode beber/ já não pode fumar/ cuspir já não pode/ a noite esfriou/ o dia não veio/ o bonde não veio/ o riso não veio/ não veio  utopia/ e tudo acabou/ e tudo fugiu/ e tudo mofou/ E agora, José?”

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