Teresina é a única capital nordestina distante do mar. Nesse ponto, diferencia-se de todas as outras, o que lhe dá um caráter interiorano e provinciano muito simpático e familiar para quem reside em Piracicaba. As duas cidades têm, aliás, mais de um ponto em comum. Ambas gravitam em torno de rios. Lá, o núcleo primitivo que deu origem à cidade se estabeleceu próximo ao encontro dos dois grandes rios piauienses, o Poti e o Paraíba. São rios largos, piscosos e, pelo menos no trecho deles que conheci, tranquilos e sem corredeiras.
Indaguei o motivo de a capital do estado se ter situado longe do mar. Explicaram-me que isso se deve a dois fatores. Primeiro, o ponto era, no passado, de importância estratégica e comercial muito grande. O porto de Teresina era passagem obrigatória de toda a produção de uma larga faixa do sertão. Produtos agrícolas, carne de sol, peles curtidas, minérios, tudo o que produzia o atual Piauí, assim como boa parte do oeste baiano, tinha forçosamente que chegar ao mar por via fluvial, passando por Teresina, que oferecia um porto bom e seguro.
Por outro lado, a cidade litorânea que teria vocação natural para ser a capital do Piauí, seria, segundo os piauienses, Sobral – que acabou ficando cearense, ao que parece em troca de certa região interiorana que o Ceará cedeu ao Piauí. Por isso, Teresina se impôs como a capital. Tem hoje cerca de um milhão de habitantes.
Depois de cumpridas as obrigações que me levaram até lá, na Universidade Federal do Piauí, quis conhecer um restaurante à beira rio, antigo e tradicional, chamado Pesqueirinho. Nele encontrei uma variedade muito grande de peixes de rio, e também alguns de mar. Atraiu-me a atenção um peixe chamado piratinga, oferecido com molho de camarão, arroz branco e pirão.
De início, estranhei a mistura de camarão de mar com peixe de rio, e perguntei ao garçom se ficava bom mesmo. Ele sorriu e, com a fala calma e pausada, respondeu: “Até hoje ninguém reclamou e todo mundo repete e pede de novo...”
Contra fatos não há argumentos. Decidi experimentar. E não me arrependi.
O peixe era servido em posta, para duas pessoas, ou em filé, para meia porção. Optei pela segunda opção. Alguns minutos depois, estava diante de uma fatia generosa de piratinga, bem assada, mergulhada num molho maravilhoso feito com farinha de mandioca, azeite de dendê, alguns outros temperos entre os quais se destacava o coentro (nunca ausente da comida regional), e coberta por camarões de bom tamanho. O arroz estava excelente e o pirão - que me pareceu ser o próprio molho, mais engrossado - era saborosíssimo.
O peixe, branco e tenro, de sabor muito suave e agradável, combinava perfeitamente, sem dúvida, com o molho “puxado” a camarão. Foi um almoço inesquecível. Sempre que retornar a Teresina, com certeza não deixarei de visitar o Pesqueirinho, para comer o mesmo prato.
Curiosamente, o piratinga me parecia algo já conhecido. Eu sentia algo de familiar no seu sabor, na sua contextura, mas nunca tinha ouvido falar de um peixe com aquele nome.
Retornando de viagem, tive curiosidade de procurar investigar que peixe era esse. Foi então que descobri que é precisamente o mesmo peixe que comemos aqui em Piracicaba, na Rua do Porto, com o nome científico de Brachyplatystoma filamentosum e a designação popular de filhote. Aqui, sabemos que o filhote é o peixe piraíba até alcançar 60 ou 70 quilos. Depois desse peso, fica muito fibroso e duro, impróprio para ser consumido. Só salgado e seco, à maneira do bacalhau, pode ter alguma utilização, contudo mesmo assim poucos apreciam. Chega a alcançar dois metros de comprimento, atingindo seu peso mais de 250 quilos. É considerado, a par do pirarucu, o maior peixe de água doce do Brasil e um dos maiores do mundo.
O nome piraíba designa o peixe adulto, com carne imprópria. Em tupi, pira (peixe) iwa (ruim). Piratinga já tem sentido mais favorável, significando peixe branco (tinga). Piratinga é, pois, só o filhote, antes de crescer, endurecer e ficar com a carne mais escurecida.
Confesso que foi uma alegria encontrar, em local tão distante, o filhote, um amigo proveniente da região amazônica, mas que se adaptou tão bem aos paladares piracicabanos e já é parte constitutiva da culinária da nossa Noiva da Colina.
(*) Doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Piracicabana de Letras e do IHGP.