ARTIGO

Agosto


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Pequeno, em histórias que mãe me contava e ouvia com atenção e cuidado, soube que os sóis de julho foram seus confidentes e a eles pediu, em cada entardecer, que fizesse brotar, em qualquer dia do longo mês, ao amanhecer, junto à luz, quem preparara ao longo de nove meses.

Ao tempo destes relatos, a vida não me permitia saber, antes mesmo que julho terminasse e deixasse soprar a última brisa, alegria em sentir, por onde estava, o perfume do novo e Augusto mês. Ou, como dizia, Deus e seu sobrenatural poder, sua força sobre a vontade humana, determinou que assim fosse no cumprimento de Sua Vontade e de quem dele nascesse.

O Criador por saber do refinamento que desejava para seus filhos, deu ao novo espírito a satisfação de armar-se para a vida no mês entrante. Senhor absoluto da vida, impôs-se ao desejo e à esperança da mãe, deixando passar julho para fazer brotar vida nova na oitava manhã, quando já floriam ipês amarelos e o vento entoava, em assobios, canções diversas.

Assim foi. De modo suave, tímido, ao entregar, naquele ano, o sol de julho em seu último horizonte, tratou de acertar em diagrama os planetas, as constelações, as estrelas e num gesto de poder impulsionou a vida.

Em mim, de julho, por desejo materno, garantiu a ascendência, chacras alinhados, energia espiritual para suportar o mundo.

Na voz do vento,  permitiu não esqucer jamais os versos do poeta escritos naquele mês daquele ano, deixando, para sempre, na memória, na canção do vento, eco que provasse para sempre ser o vento quem, varrendo folhas, varrendo flores, varrendo frutos, dava a agosto característica de reconhecimento inquestionável.

Odores, sons,  flores de agosto, desde aqueles longes, deram ao menino novo no mês em que armou a vida, anúncio antecipado de primavera.
As retinas, hoje, fatigadas ainda guardam lembranças que preservam o fulgor do instante, como se refizessem, agora, o encantamento daquela madrugada.

O tempo é outro. É outro o momento. Igual, só mesmo o dia organizando cenário e tecendo manhãs. A rebeldia do pó fino, terroso, esparramando o pó fino, diário, incômodo para muitos, n verdade, dá cor às manhãs amorenando os dias, com som e cor.

Escrevo no mesmo tom do velho avô, jornalista notável, de quem, por Deus, recebi a herança bendita associada a dom que não me pertence somada a talento que me foi dado.

Pena que a vida, luz que se me revelou em agosto, por vezes, sinaliza atenção e cuidados e, num silêncio profundo, clama por paciência, perdão. 
Em agosto, a cada ano quando se repete, Deus, ao tocar-me fundo, faz-me pulsar o coração e me renova a alma. Lustra-me o espírito e obriga-me a sentir. É o que importa, mesmo que as sensações se repitam. Alegria e dor se confundem no redemoinho da vida.

Hoje, em cartões que a vista vê, em dedicatórias de livros, nas canções que cantei e ainda canto, a memória guarda e o coração sente apesar de sustos e medos, quanto é bonito ver o mundo do último andar onde vivo.

Do último andar é tudo muito mais bonito: a cantoria dos pássaros no amanhecer, o sol quando se despede, a primeira estrela que aponta mesmo que não seja estrela, a lua que avança e dança. Pudesse nascer outra vez sabendo, como sei agora, a entender a vida.

“Que saudade tenho de nascer. Nostalgia de esperar por um nome como quem volta à casa que nunca ninguém habitou. Não precisas da vida, poeta. Assim falava a avó. Deus vive por nós, sentenciava. E regressava às orações. A casa voltava ao ventre do silêncio. Era dela que me vinha a vontade de nascer.

Que saudade tenho de Deus!”

Quanto se descobre ao sentir. Urge rever como foi, chorar outra vez ao saltar para a vida, sorrir, quando possível,  experimentar. Além de sorrir ou chorar, persistir. Estar.

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