Morar longe da sua cidade natal faz você vê-la com distanciamento e, justamente por isso, e por não estar mais rotineiramente assistindo seu desenvolvimento (ou a falta de), percebe-se detalhes que muitas vezes passam despercebidos por quem percorre essas ruas todos os dias!
Em quase oito anos vivendo fora, foram muitas as vezes que essa sensação ocorreu comigo ao voltar para Piracicaba.
Da janela do ônibus, vejo a SP-304, rodovia Luiz de Queiroz, quase terminando. O frio na barriga se intensifica ao avistar aquele controverso monumento do peixe, sempre com algum escrito diferente pichado, aproximando-se!
Cruzando a avenida independência, já começo a reparar nos novos estabelecimentos, barzinhos e restaurantes, e aqueles que já fecharam. Alguns parece que duraram tão pouco, outros estão lá há décadas. Neles, rostos que provavelmente não conheço, mas que conheceria todos se fosse há uns 10 anos atrás.
Prédios invadiram grandes espaços que antes era possível ver a cidade de longe enquanto o envelhecimento de monumentos se mostra mais avançado.
A galeria a céu aberto do Cemitério da Saudade, com as pinturas de artistas que alegram e estampavam uma das principais avenidas da cidade, se apagaram, assim como as fachadas daqueles velhos bares que não estão mais no topo dos locais favoritos dos jovens para um sábado à noite.
Aquele “point” que costumávamos varar as madrugadas e que renderam paqueras e azarações, daquelas que a gente guarda na memória com prazer e trauma, hoje tem placa de “vende-se” ou “aluga-se”.
O ônibus vai passando e as memórias vividas vão ficando para trás. Falando em memória afetiva, é hora de adeus ao que marcou a infância e adolescência!
Da rodoviária, vou de táxi para casa. No caminho, mais lembranças. Aquela praça que antigamente era ponto de encontro das famílias hoje agoniza em praça pública (com o perdão do trocadilho)!
A rua onde fica a casa que nasci já tem mais pontos comerciais do que residências. Aos poucos, salões de festas, restaurantes, escritórios, escolas e igrejas vão adquirindo antigas casas onde os donos já não existem mais e seus herdeiros não fizeram questão de mantê-las.
Os antigos lares de tios e tias, onde passei boa parte da vida em natais memoráveis e encontros familiares, hoje já não se sabe quem os habita.
Me pego observando onde era a residência da avó de um amigo de infância. Era daquelas casas de chão com azulejo vermelho recortado e um jardim no fundo. Desapareceu! Em seu lugar, um imenso palácio para uma igreja pentescotal. A jabuticabeira, que escalávamos no pé para alcançar as mais frutas maduras, deu espaço a um estacionamento fechado aos fiéis. Aquele meu amigo de infância, nunca mais o vi. Soube que morreu há pouco tempo, vítima de um acidente fatal.
E a mesma mudança da materialidade da cidade habita também os que ficam. Amigos, parentes e conhecidos trazem consigo um outro olhar, onde se vê a maturidade dos anos e histórias vividas acumuladas onde eu não estou incluso.
Chego em casa e vejo o olhar mais cansado, as rugas mais profundas e uma saudade infinita de meus velhos pais. Meus cachorrinhos já estão com pelos mais brancos e enxergando menos.
A casa ainda é meu lar, com as coisas de sempre. Meu guarda-roupas é a marca viva do tempo, mantendo a memória de roupas que hoje não cabem mais em mim -- seja em tamanho ou estilo.
Arrumo a mala no canto e vou tomar um banho. Olho no espelho e não me reconheço de imediato. Pareço estrangeiro na minha própria terra, ao mesmo tempo que pertenço intensamente, de alguma maneira, a tudo isso.
valeuuuuu
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