ARTIGO

A culpa não era dos pardais


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Recordemos o “genocídio pardalístico” perpetrado na China por ordem de Mao Tsé-Tung, na década de 1950. Devido à baixa produção da agricultura coletivizada pela reforma agrária que promovera, insuficiente para alimentar 600 milhões de chineses, Mao resolveu responsabilizar pela fome generalizada os inocentes pardais. Eram eles os culpados, por comerem as sementes plantadas nos campos... Eliminados os pardais, pontificava o Grande Líder, seria gigantesca a produção. Essa tolice primária, não faltaram “cientistas” e “especialistas” que se apressaram a confirmar.

Até as crianças foram engajadas na matança de pardais, assim como de ratos, moscas e mosquitos que transmitiam doenças. Algum tempo depois, os órgãos oficiais do Partido Comunista Chinês informaram que, graças ao camarada Mao, a campanha tinha obtido um verdadeiro sucesso, com nada menos que um 1.000.000.000 (um bilhão!) de pardais mortos, sem falar nos ratos (1,5 bilhão), nas moscas (110 mil toneladas) e nos mosquitos (12 mil toneladas) eliminados.

Na natureza, apesar dos aparentes desequilíbrios, tudo tende a se equilibrar. É sempre perigoso mexer arbitrariamente no sistema natural em que se equilibram as cadeias alimentares das diferentes espécies animais.

Recordo que tentei produzir tilápias, num sítio de minha propriedade. O problema das tilápias é que se reproduzem demais e, por falta de alimentos suficientes, não crescem. Como resolver o caso? Há dois métodos, um natural, outro artificial. O artificial, praticado em muitos criadouros, consiste em misturar às rações ministradas aos alevinos hormônios esteróides sexuais sintéticos, de modo que as tilápias fêmeas sofram reversão sexual e se transformem praticamente em machos. Fica, assim, impossibilitada a procriação e o crescimento dos alevinos se processará em ritmo industrial.

O procedimento, entretanto, desperta críticas, pelo receio de possíveis danos à saúde das pessoas que consumirem tilápias artificialmente manipuladas. Acresce que no sistema de reversão sexual podem ocorrer falhas. É sempre possível que num conjunto grande de peixes tratados hormonalmente alguns indivíduos femininos resistam à reversão e se mantenham fêmeas fecundas. E isso, obviamente, deita a perder todo o trabalho laboriosamente empreendido.

O método natural consiste em deixar as tilápias de ambos os sexos convivendo normalmente, de acordo com a lei da natureza, mas colocar no lago algum peixe carnívoro que seja predador de tilapinhas. Basta colocar algumas traíras e elas se alimentarão do excesso populacional das tilápias pequenas e em pouco tempo o lago estará cheio de tilápias tão grandes que as traíras não mais atacarão. Com isso se restaura o equilíbrio natural e poderemos pescar à vontade traíras e tilápias, conforme o gosto do freguês.

Voltemos ao caso da China. Desencadeada a campanha pardalicida, ocorreu que um cientista chinês, Dr. Zhu Xi, diretor do Instituto de Biologia Experimental, teve a coragem inaudita de expender sua opinião técnica de que era perigoso eliminar os pardais, porque estes não comiam apenas sementes, mas também se alimentavam de gafanhotos e lagartas prejudiciais à agricultura. Esse cientista corajoso pagou com a vida a ousadia de desafiar a genialidade e a inerrância indiscutíveis do Grande Líder: foi executado.

Não demorou muito, e a natureza se pronunciou vingativamente, dando-lhe plena razão. Traduzo da matéria de Rúben Guillemi, publicada pelo jornal argentino La Nación, de 19/2/2022: “Com os pardais à beira da extinção a partir da primavera de 1959, as pragas se espalharam por todo o país. Gafanhotos, vermes e outros insetos perderam seu predador natural e as perdas de colheitas foram enormes.

A guerra contra os pardais, somada a outros erros estratégicos, desencadeou o que hoje é conhecido como `A Grande Fome Chinesa´, um dos maiores desastres causados ??pelo homem na história da Humanidade, com um número estimado de mortes por fome entre 15 e 55 milhões. Praticamente sem pardais, o governo chinês foi forçado a importar cerca de 250.000 pardais da União Soviética, na tentativa de restaurar o equilíbrio ecológico. E ainda hoje estima-se que o número desses pequenos pássaros seja menor na China do que em outros países.”

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