ARTIGO

Cartas na trincheira


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Querida esposa

Saúde e liberdade a todos daí é o que desejo. Quanto à mim, vou indo com saúde, com muita saudades de você e do Lilo. Fiquei muito aborrecido que não estás passando bem, mas tenho fé em Deus, feita sua extrema bondade, que haja por bem conceder-te saúde a ti e ao nosso querido filhinho. A vitória de São Paulo não tardará.

Vou terminar porque estou escrevendo esta dentro da trincheira e o barulho ensurdecedor da metralha não cessa.

Trecho de carta assinado por “Nenê” em 18 de agosto de 1932, na trincheira de algum campo de batalha. Ocorria a Revolução Constitucionalista.

“Nenê” era Antonio Simionato, nascido em Piracicaba em 3 de junho de 1903 e falecido na mesma cidade em 15 de outubro de 1984. Fixou-se aqui depois que seus pais e avós deixaram a Itália. Segundo sua filha Teresa Aparecida do Carmo Simionato Lozi, professora, a família se fixou em Piracicaba mas também passou por São Paulo onde teve um bar no bairro da Lapa e em Rio Claro, administrando uma torrefação. Em Piracicaba, Antonio trabalhou no Engenho Central, na olaria existente na região da rua do Porto próximo ao Casarão de Turismo. Foi administrador de uma fazenda em Rio das Pedras junto a Hércules Travaglini, na qual beneficiava cana de açúcar. Os negócios não prosperaram e Antonio adquiriu um sítio no São Jorge, bairro em Piracicaba, próximo ao Terminal Integrado de Ônibus.

Foi casado com Henriqueta Campos Simionato (1906/1992). O casal teve os filhos João Antonio, Celina Chamma e Teresa Aparecida do Carmo, além de cinco netos e dez bisnetos e quatro tataranetos. Teresa foi casada com Ivo Lozi, cujo irmão, Pedro Losi, foi prefeito de Botucatu.

“Poucas foram as lembranças passadas por meu pai, no que se trata da Revolução de 1932. Ele se orgulhava muito em ter se formado como aviador nos anos 1940, tendo concluído curso e tirado brevê de piloto na cidade de Rio Claro”, diz Teresa. “Um dos poucos fatos que ele comentava era que nas trincheiras passava dias com a mesma vestimenta e por muitos dias os voluntários tinham de ficar de campana sem poder tirar suas botas. Numa destas ocasiões, seus pés encheram de bolhas que o impossibilitavam de exercer suas funções rotineiras. Meu pai voltou a Piracicaba para tratar essa enfermidade. O curioso é que quando ele estava aqui, a Revolução acabou, e não teve mais de voltar aos fronts de batalha”, diz Tereza.

Outro participante foi Arthur Maurano, aos 28 anos de idade. Seu filho, Pedro Vicente Ometto Maurano diz que ele parou tudo o que estava fazendo para lutar por São Paulo na região do Vale do Paraíba, na cidade de Cunha, perto de Queluz, divisa de São Paulo com Rio de Janeiro.

O envolvimento com a causa afeitou a família Maurano. Seu irmão, Vicente João Maurano era juiz em Mato Grosso e foi suspenso por ter apoiado a Revolução de 32. A exoneração consta no Boletim Eleitoral de fevereiro de 1933, publicado no Diário Oficial da União, página 500, em "Ato no 359, da Interventoria Federal no Estado de Mato Grosso”.

Diz o texto: “O Dr. Leonidas Antero de Mattos, interventor federal no Estado de Mato Grosso, usando das atribuições que lhe foram conferidas pelo Governo Provisório do Brasil e, entendendo que o Dr. Vicente João Maurano, quando em exercício no cargo de juiz de direito da comarca de Aquidauana prestou o seu concurso pessoal em favor da rebelião deflagrada em julho último, em São Paulo e Mato Grosso; entendendo que dentre os meios que se utilizou o referido magistrado para prestar a sua colaboração em favor dos que se subverteram a ordem pública, se tornou patente o de conferência feita pelo rádio na qual perante os seus jurisdicionados o referido juiz pugnou pelo reconhecimento aos rebeldes da qualidade de beligerantes, colocando-se pois contra princípios de autonomia e contra os da unidade nacional; Atendendo, assim, disposto no art. 2° do decreto n. 215, de 29 do cadente, Resolve suspender das suas funções judiciarias, sem direito a vencimentos o Dr. Vicente João Maurano, juiz de direito da comarca de Aquidauana. Cumpra-se e comunique-se.” (DOU MT, op. cit.)

Arthur Maurano até o fim da vida citava passagens durante o período em que serviu São Paulo. Pedro Maurano relembra que “a caminho do front, pendurado em um caminhão repleto de soldados constitucionalistas sofreu um acidente e cortou o braço esquerdo. Por isso teve que ser levado às pressas ao hospital fazer sutura. Quando estava pronto para retornar, o conflito havia arrefecido”.

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