ARTIGO

Entre Pedro Paramo e “riverside'


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Levado após intensas recordações, lá se vai o escrevinhador a refletir ao deparar-se – por acaso e numa das estantes da biblioteca – com o livro “Pedro Paramo”. Do mexicano Juan Rulfo. Há quantos anos foi que o descobri?  Incrivelmente, permanece na memória, lição primorosa de literatura.

E aparece-me como refrigério diante de tolices e mediocridades que minam a vida pública de Piracicaba. A última delas, talvez penúltima: dar o nome de “Riverside” a uma possível ciclovia junto à nossa secular, histórica e amorável Avenida Beira Rio. Que, aliás, rende homenagem ao pai e mestre de nossas artes, Miguel Benicio Dutra, o Miguelzinho.

Sem história, não há identidade. Confesso, ainda outra vez – e cada vez mais – ser tomado por um sentimento que me sabe mais a nostalgia do que cansaço. Não sou – pelo menos, ainda – suficientemente ignorante para não entender estejamos vivendo o caos da transição. São, porém, tais períodos históricos que estimulam e despertam reações em busca de equilíbrios. Os povos têm uma intuição coletiva digo que misteriosa. Logo, admirável.

O ainda mais desalentador é sentir o desinteresse da classe política – com uma que outra exceção – em atualizar-se. E grande parte da população vivendo – por desânimo ou descrença – um aparente conformismo. Pois, permanece vivo o lamento de Luther King, brado de indignação: “O que me preocupa não é o grito dos maus, é o silêncio dos bons.” E esse silêncio assustador das chamadas elites piracicabanas parece testemunhar o que o Papa Francisco denunciou como drama da atualidade: a indiferença.

E o que Pedro Paramao, Juan Ranulfo têm a ver com isso? Nada. Mas, para o escrevinhador, a merencória recordação de como Piracicaba foi cuidada por personagens admiráveis. E, em especial, à lembrança de personalidades históricas com dimensão nacional: Luiz de Queiroz, Prudente de Moraes, Thales de Andrade, Paulo de Moraes Barros, tantos e tantos outros. A mediocridade, diante da prevalência dos competentes, anulava-se por si mesma.

O que aconteceu? Ora, não foi apenas a transformação, a mudança nos tempos. Pessoas também mudam. E mudaram. A pouco e pouco, a consciência do dever público foi-se desgastando ao crescimento do império do individualismo. A formidável revolução tecnológica preocupou apenas alguns poucos quanto aos efeitos também negativos que produziu. Em especial, na dimensão fundamental do trabalho às classes menos qualificadas.

Desde o início dessa lastimável administração pública municipal, estamos entre os que apelavam e ainda apelam pela criação de um grupo de estudos especiais em auxílio à classe política. Isso já se fez naquele “Piracicaba 2000”, com propostas admiráveis mas, quase todas, não realizadas. O processo de globalização – sabia-se desde o início – não traria apenas benefícios excepcionais, mas, também, questões sociais desafiadoras. A política partidária ignorou-as. Tem-nas ignorado.

Enquanto isso, em fim de mandato, o atual preboste tenta mostrar serviços com o sempre suspeito serviço de asfaltamento de ruas e avenidas. Nem nisso, há um mínimo de criatividade. A estúpida sugestão do tal nome “Riverside” torna-se testemunho berrante de quanto essa gente está desvinculada dos esforços, da luta de Piracicaba para manter as suas raízes chamadas caipiras. Nossa própria maneira de falar foi considerada e é “Patrimônio Imaterial” de Piracicaba. De um povo.

Assusta pensar que, há milênios, já se ouvia o clamor de Sócrates contra os que apenas materializam a “polis, fazendo-a inchada e ulcerada”. Até quando?

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