ARTIGO

La Dolce Vita


| Tempo de leitura: 3 min

A expressão italiana ganhou e encantou o mundo a partir de um filme com o mesmo nome. Foi na década de 1960, obra de Federico Fellini. E, nele, aconteceu a consagração dos atores principais, Marcello Mastroiani e Anita Eckberg. Quem viu não esquece. Especialmente a cena de ambos na Fontana de Trevi que se tornou um dos lugares turísticos mais visitados de Roma.

Milenarmente, o povo italiano revela a busca pela vida prazerosa, sabedoria milenar de quem escreveu capítulos ímpares da história ocidental. Mas, quais povos não anelam por uma vida serena, de paz, de alegria?  E, ao mesmo tempo, quantas complicações, desavenças e desprezos à vida!  

A busca de uma “dolce vita” liga-se ao próprio desejo de felicidade. No entanto, no cotidiano desafiador, o prazer limita-se ao temporário de cada um, enquanto a tão inalcançável felicidade seria um estado duradouro de satisfação. Nem sempre, porém, chegamos a aceitar o episódico, o fortuito. Mas, o que, na vida, há de pleno, de definitivo senão o próprio fim? Se, logo ao começo do viver, se entendesse essa inescapável transitoriedade, seríamos, ao longo da caminhada, tão dispersivos?

Desde os primórdios do conhecimento, a humanidade busca alcançar a “buona vita”. E, ainda e ao mesmo tempo, entender o mistério da existência, especialmente a humana. Os porquês e o como. É o ser-pensante querendo saber das coisas, não se contentando com a imensidão dos espaços aos quais foi lançado. E nem mesmo com os céus, talvez porque ciumentos ou desejosos das estrelas. De qualquer maneira, foram a insatisfação, a curiosidade, os desejos que se tornaram – ora, vejam! – quase que símbolos de um estranho desenvolvimento. E o que significaria isso? O destruir florestas e plantar tudo aquilo que nasce espontaneamente, poluir rios para navegar em busca do desconhecido; matar o outro para ter mais um pedaço da terra que, na realidade, não pertence a ninguém – eis alguns episódios da aventura humana. Para, por fim, terminar sepultado no chão do qual quis ser dono. 

O tristemente irônico está, também, na verdade de quase tudo já se ter revelado por místicos, filósofos, poetas, pensadores. E por pessoas humildes que aprenderam vivendo. Penso em Fernando Pessoa, na voz de Alberto Caieiro: “Pensar é estar doente dos olhos”. E, então, este seu apaixonado leitor acrescentaria: “E estar doente dos ouvidos”. Pois o mundo é um espetáculo permanente de surpresas e de revelações. Apesar da estultícia humana. 

Faça-se silêncio, emudeçam-se sons dos ensurdecedores motores – e ouçamos. A sinfonia natural dá-nos os movimentos da própria vida. Uma sonata, um minueto, um rondó, ora lento, ora apressado, trovejante ou sereno como brisas. A vida repete-os como se os imitasse em nosso próprio cotidiano. E com reações d´alma, emoções, sentimentos. E, de cada um de nós, exige o mais simples: não o apenas ouvir, o ver, o escutar, o olhar. Mas o contemplar. 

Se a “buona vita” sempre foi e é um ideal, ela jamais acontecerá plenamente. Mas existe em porções, em momentos. Nem sempre depende de cada um, pois realmente acontece o que Sartre denunciara: “O inferno são os outros” (L´enfer sont les autres). Nem todos, nem sempre. Pois, muitas vezes, somos nós que o criamos em algum lugarzinho de nós. Momentos e oportunidades da “dolce vita” são possíveis. E, então, memoráveis. Na família, com pessoas queridas, amigos. Na contemplação de um surgir ou por de sol. Na garoazinha sentimental. E, para este escrevinhador – ai de mim! – também assistindo a um sofrido e doloroso jogo do Corinthians – paixão que não morre. 

Clique para receber as principais notícias da cidade pelo WhatsApp.

Siga o Canal do JP no WhatsApp para mais conteúdo.

Comentários

Comentários