Esse espantoso escândalo da Boyes – como deve ser considerado – inevitavelmente há que nos remeter a Shakespeare, no “Hamlet”. Diante das perversões, está o lamento: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Pois, não é mais lá! Há algo de podre – de muito podre – nessa perversão aqui de Piracicaba. E os indícios são tão claros que indignam até as pedras das ruas. Mas não – pelo que se revela – a classe política local. E nem parte das chamadas lideranças civis.
Ora, um dos responsáveis por esse assalto à história, às nossas maravilhas é – também “et pour cause”? – diretor de uma entidade centenária que, desde sua criação, atuou em defesa da vida piracicabana. Aliás, agora, também com a escandalosa conivência – ou participação – do atual preboste municipal, nesse estrebuchar desesperado de seu infeliz mandato. Pois tudo começou ali, quando um de seus “parças” comandou o início do acinte ao “des-tombar” as casinhas há muito “tombadas”, patrimônio histórico de um povo. Nem no “Hamlet”, Shakespeare imaginou tal atentado.
O que fazem com Piracicaba? Em quê a querem transformar? Tal escândalo ficou impune. Sendo, porém, ato político há que se perguntar: quem ganhou o quê, quando, como? Essa gente age tal se vivêssemos os primeiros tempos de um capitalismo selvagem que o mundo, agora, renega. A deletéria economia de mercado sem regulação entrou em agonia. A prevista catástrofe ambiental acontece como se a natureza se vingasse da irresponsabilidade humana. E Piracicaba, cada vez mais ameaçada de se tornar simples objeto de compra e venda?
É uma corja tripudiando Piracicaba. E, por corja – significando objetos do mesmo tipo – entenda-se também gente do mesmo tipo. Qual? Mercadores da maravilhosa herança de nosso povo. Mercadores de um privilégio dado pela natureza e cultivado por mais de 250 anos. Um patrimônio geográfico, cultural, sentimental, afetivo, histórico – ameaçado, agora, de ser engolido para satisfazer ganâncias insuportáveis.
Este inconformado jornalista permite dizer ter chegado aos 84 anos, no passado Dia de São João. Nascido e vivendo, na longa vida, nesta terra abençoada, a doce “Noiva”. E, ainda, escrevendo, atuando, protestando, reagindo, indignando-se em defesa desta cidade, de nossa gente, de nossos valores, cultura. E sem qualquer interesse financeiro. Escrever gratuitamente, sim. Por amor – talvez, até mesmo paixão – por compromisso definitivo com a responsabilidade jornalística, essa exaustiva missão. Há 68 anos! E o cansaço chegando... Permiti-me dizê-lo por ser um dos últimos de uma geração que viu acontecer quase todas as transformações desta Piracicaba tão amada. E, também, por ter acompanhado algumas das tragédias aqui acontecidas: a destruição do Teatro Santo Estêvão, a partir de argumentos mentirosos; a assustadora queda do Comurba; mortes de lideranças notáveis; a ascensão de jovens despreparados; os 21 anos do golpe militar. E, também, a inesquecível e dolorosa destruição do Hotel Central, um dos palcos de nossa história. Essa imperdoável violação, aliás, o atual preboste carrega como herança... Seria cúmplice de ainda mais?
As reações, porém, galhardamente acontecem. Não somos uma lamentável corja de mercadores. Piracicaba já se manifesta. Artigos admiráveis e indignados ocupam páginas de nossa imprensa. E ainda mais alentador: a mulher piracicabana faz ouvir a sua voz! E quando a mulher reage...
Acautelem-se, pois, os mercadores de nossa herança. Ruy Barbosa constatou: “O tributo à natureza, cedo ou tarde, todos pagamos”. Essa gente pagará.
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