ARTIGO

Homem não chora?


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Repetir e repetir-me quanto a nada mais estar entendendo, isso se me tornou tolice. Pois, realmente, deixei de entender. E tem mais: não acredito haja alguém que entenda. Além de caótico, tudo se vai tornando paradoxal. Logo, de forma que contraria muito do que se entendia antes. Reconheço – lá com os meus velhos botões – ter, ainda, alguma convicção. No entanto, guardo-a só para mim. Afinal de contas, ninguém tem a ver com minhas fragilidades. Se viver é aprender, continuo aprendendo. Aliás, outro dia mesmo, aprendi a abotoar corretamente a camisa. Antes, fazia-o de baixo para cima. Ensinaram-me a fazê-lo de cima para baixo. Ficou mais fácil.

Se for verdade que homem não chora, devo admitir: não sou e nunca fui homem. Pois choro. E por motivos, às vezes, até mesmo banais. Por um gesto. Ou música. Também – ou quase sempre – ao deslumbramento das obras da natureza. O abrir-se de uma flor, brisas nas árvores, voos e cantares de pássaros... Chorar foi o natural de minha família, no lar construído por pais amorosos e sábios. Não se escondia o pranto. Nem as lágrimas. Chorávamos juntos, como se orientados pela frase compassiva: “quem não chora não é digno dos olhos que tem.”

Como, pois – mesmo como veterano na aventura da comunicação – entender que chorar esteja sendo notícia? Repórteres, âncoras, relatam, também comovidos, que fulano chorou e – em especial – que um homem chorou! Ora: quem – em, ainda, mantendo o coração de carne – não chorou, não sofre, não se angustia com o tormento de nossa gente gaúcha? Que se não considerem os desumanos construtores de economias pérfidas, de vis injustiças sociais – que estes são enfermos da alma. Enfermidades morais incuráveis. Envelhecerão, morrerão ricos. E daí? E então?

O quase inacreditável é constatar que, há milhares de anos, almas inspiradas têm revelado, à humanidade, os caminhos da concórdia, da confraternização. E quase que no mesmo diapasão: o respeito ao outro. Não apenas Jesus. Mas, antes dele, filósofos pré-socráticos, socráticos, chineses, hindus, Confúcio, Lao Tse, tantos outros. E os que inspiraram civilizações e culturas. Incontáveis. Mas é como se fosse, a fraternidade, apenas uma utopia.

Lágrimas – já o cantaram poetas e trovadores – são pérolas vindas da alma. Mais do que um ser racional, é, o homem, um sentimental. A razão surge após o sentir. Sentimos fome, sede, alegria e tristeza, dores, prazeres. E, então, lá nos vem a razão buscando estabelecer limites, criando a religião, a moral. Ou seja: tentando, na realidade, a domesticação dessa criatura que se pretende “rei da natureza”.

O homem – o tal “masculus, musculus, macho da espécie” – chora, sim. Muitas vezes, às escondidas, ocultando a sua própria e grande dor. Engole lágrimas, aceita dilacerar o próprio coração apenas para representar um papel que lhe foi imposto: “homem que é homem não chora”. Mas – justamente por ter sido também humano – até Jesus chorou. E foram, as suas, “lágrimas de sangue”.

Ao escrever tais reflexões, não estou chorando. Mas sinto vontade. Há um profundo cansaço de, cada vez mais, constatar que o “ser racional” não raciocina. E que o “ser sentimental” vê-se obrigado a não-sentir. Loucura ou, apenas, tolice? Seja o que ou como for, continua inquietante a observação de Plotino, ainda na fundura dos séculos: “O lugar do homem é no meio, entre os deuses e os animais. Às vezes, tende para um; às vezes, para outros. Alguns homens assemelham-se aos deuses; outros às feras. A maioria fica no meio.”

Saberíamos, em nossos tempos, o lugar que temos escolhido?

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