ARTIGO

Elon Musk no inquérito das milícias digitais do STF

25/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Foto: reprodução X

Há poucos dias, o empresário bilionário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter) iniciou, em seu perfil pessoal da plataforma, uma série de críticas ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, especificamente dirigidas ao Ministro Alexandre de Moraes. Em rápida resposta, o Ministro do STF então decidiu incluir o empresário estrangeiro no inquérito das milícias digitais, do qual é relator. Também instaurou inquérito para apurar condutas de Musk quanto aos crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.

O objetivo deste artigo é enumerar os problemas e equívocos jurídicos da inclusão de Musk nesses inquéritos. Focaremos nas questões de processo penal, que é o ramo do direito que define as regras do jogo para que alguém possa ser investigado ou processado na justiça brasileira. Os pilares do direito processual penal são estabelecidos pela Constituição Federal, pelo Código de Processo Penal, demais leis específicas e ensinamentos da doutrina jurídica. Em próximo artigo, abordaremos as questões de direito material, isto é, sobre os crimes específicos pelos quais Musk está sendo investigado.

Data maxima venia, pode-se apontar, em primeiro lugar, que a decisão do Ministro Moraes fere o princípio basilar da inércia da jurisdição segundo o qual o juiz deve ser provocado pelas partes interessadas, não cabendo a ele iniciar investigações ou ações.

Segundo, existe violação do sistema acusatório, ou seja, o juiz está usurpando a competência do Ministério Público - que segundo o art. 129 da Constituição Federal, tem titularidade privativa da ação penal pública - ou do delegado de polícia, que é a outra autoridade judiciária a quem compete a abertura de inquérito.

Em terceiro lugar, mesmo que se admitisse que o juiz pudesse instaurar inquéritos de ofício, no caso específico, o Ministro do STF carece de competência legal para tanto porque não pode ser considerado juiz natural para julgar pessoa que, claramente, não tem foro privilegiado no STF, caso de Musk, que não é autoridade brasileira.

Para estabelecer sua competência para abertura de inquéritos, o Ministro tem invocado o art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que assim dispõe: “Art. 43. Ocorrendo infrac?a?o a? lei penal na sede ou depende?ncia do Tribunal, o Presidente instaurara? inque?rito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita a? sua jurisdic?a?o, ou delegara? esta atribuic?a?o a outro Ministro.”

Muitos juristas questionam a constitucionalidade de tal artigo do Regimento Interno, incluindo-se entre eles esta autora, que o considera flagrantemente inconstitucional. Porém, mesmo que fosse considerado constitucional, o dispositivo legal citado delimita o espaço físico da ocorrência da infração penal “na sede ou dependência do Tribunal”, o que, no caso de Musk, claramente não sucedeu.

É evidente que as postagens de Musk em seu perfil do X não ocorreram na sede ou dependência do STF! O Ministro do STF tem interpretado extensivamente o Regimento Interno, a ponto de considerar que pessoas do mundo inteiro podem estar sob a égide de controle do STF brasileiro, o que se configura verdadeiro despautério jurídico à luz da Constituição nacional.

Por fim, o inquérito das milicias digitais é a investigação que tenta identificar organizadores e financiadores dos atos considerados “antidemocráticos” e apurar organização criminosa digital que almejaria “fechar o STF” e “derrubar a democracia”. Como poderia o cidadão americano Musk ser considerado “miliciano digital” e estar relacionado com os “golpistas bolsonaristas” que figuram no inquérito que apura as conexões com o ocorrido em 8 de janeiro de 2023? É muita fantasia e pouca racionalidade jurídica.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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