No altarzinho da casa, a imagem de Nossa Senhora Aparecida, talhada em madeira e envolta num manto azul bordado, guardava a casa, protegendo seus moradores devotos. Certa vez, um objeto inusitado fora colocado sob seus pés — um maço de cigarros. Tia Regina, recorrendo ao auxílio da santa, fizera, junto com a irmã Inês, promessa para parar de fumar. Inês livrara-se dos cigarros alguns anos antes, quando os quatro filhos ainda eram pequenos. Um deles, Ricardo Bianchi, adolescente, movido pela curiosidade e pela oportunidade, tirava, diariamente, dos pés da santa, um cigarro. Fumava-o escondido, com os amigos da escola, durante os intervalos, no pátio do Liceu Nova Piracicaba.
Quando entrou na faculdade em Botucatu para cursar engenharia florestal, sentiu-se livre e percebeu que poderia decidir se parava ou se continuava fumando. Na república em que morava, cinco dos oito moradores fumavam, apesar de adotarem estilo de vida saudável em outros aspectos: faziam refeições balanceadas e praticavam esportes. Ricardo usava a bicicleta para ir à faculdade, na Fazenda Lajeado, zona rural de Botucatu e participava dos jogos estudantis da universidade jogando futebol e voleibol.
O início do tabagismo acontece até os 19 anos de idade em 90% dos fumantes. Segundo a OMS — Organização Mundial da Saúde —, quanto mais cedo o jovem começa a fumar, maior o grau de dependência nicotínica e mais difícil livrar-se do vício. O jovem começa a fumar por curiosidade, para fazer parte do grupo, por problemas na família ou na escola e, em cerca de três meses de utilização do produto, já se torna dependente. Ele tem a sensação de que pode parar de fumar quando quiser, mas isso não acontece, porque instala-se a dependência química e, ao tentar parar, vem os sintomas da abstinência.
Ricardo, vinte anos depois, em agosto de 2020, aos 37 anos, casado e com uma filha de dois anos, temera complicações pela COVID — era o começo da pandemia — e procurou-me para tratar o tabagismo. Fumava apenas sete cigarros por dia, mas não conseguia se livrar deles. Nos primeiros dias, a abstinência veio na forma de formigamento e secura na boca e dificuldade na concentração. Incentivei-o a realizar atividades que lhe davam prazer como caminhar com o cachorro, por exemplo, além de usar a medicação prescrita.
Hoje, o rendimento no esporte melhorou — faz aulas de natação na academia Position e pratica corrida. Conseguiu controlar a ansiedade em sessões quinzenais de terapia com psicóloga e sente a autoestima muito elevada.
Desconheço o que aconteceu com a tia Regina, se conseguiu manter a promessa para Nossa Senhora Aparecida, mas, por certo, ficaria entristecida em saber que fora o vetor para a iniciação do sobrinho no tabagismo.