ARTIGO

Ziraldo

22/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Foto: Divulgação

Caso pudesse, escreveria aqui uma história de dois amores sem importar-me, em nada, com quem, pouco ou nada entendendo, interpretasse erradamente porque não sabe com que se tece a vida.

Já não tenho  idade para lidar com maldadosos, sem estatura moral, que falam de Deus valendo-se de espírito cinzelado por capirotos. Menos idade tenho para ferir-me com pequenezas sem sentido e significância.

Quando reviso a casa onde nasci, a família que formamos, longe de ser perfeita, concluo, com alegria inusitada, não ter encontrado ali espaço para bisbilhotices, esse costume feio de incomodar-se com julgamentos fáceis.

Então, escrevo minha história de dois amores, roubando-lhes o título de obra para crianças, que escreveram juntos, sem roubar-lhes motivo, já que os meus, são outros..

É que conheci a ambos e a ambos visitei e soube amá-los, humano que sou, humanos que eram e reconhecer-lhes o acolhimento dado ao jovem que os buscara para beber da cultura e da arte vindas deles e emanadas à profusão: Ziraldo Alves Pinto e Carlos Drummond de Andrade.

Hoje, aqui, celebro Ziraldo. Eu que ao longo da vida soube celebrar Drummond. Que sorte a minha!

Ziraldo contava ter-se aproximado de Drummond, o “urso polar”, de maneira cuidadosa, em 1969. Igual comigo que, numa carta escrita em 1971 tive o privilégio de estar com ele tantas vezes, receber cartas e entender a grandeza de seu espírito e a humildade com que acolhia os que os procuravam. Era, sem sombra de dúvida, o maior poeta brasileiro de seu tempo.

De Ziraldo, pelo poeta pude achegar-me. A mineirice que os envolvia permitia este cafezinho à mesa e conversa demorada. Ziraldo entendia privilégio sem precedente ser admirado pelo autor de “Claro enigma”. Para mim, privilégio dupla ter-me aproximado dos dois.

O cartunista, cuja obra como fora presença ao final de minha infância e em toda a adolescência, me permitia olhar, em seu ateliê, diante de tanto calor humano, um ser humano único.

Quanto gostaria de poder, aqui, despedir-me do homem, cuja obra, pelo conceito gráfico e texto escrito, o transformaram num dos mais famosos escritores infantis.

Quem sabe escrever para crianças, não desaparece. Ocupa nova posição e segue firme no jogo. Garanto isso. História de Dois Amores, Planeta Lilás, Flicts, eternos no conceito e na beleza gráfica e literária. Ao reafirmar esta certeza, chamo à memória Lobato, Lewis Caroll, os irmãos Grimm.

Não precisava, porque antes mesmo de despedir-se, já se imortalizara, não pela Academia Brasileira, mas nos milhões de leitores que o aclamaram por toda parte do Brasil e em todo o mundo.

Estive com ele em 1978, pela primeira vez. Repeti o feito em 1981, 82 e outras vezes mais. Guardo comigo, entre tantas coisas que poderia mostrar, mas tenho em sete chaves, dedicatórias e desenhos incríveis. No “Pipoqueiro da Esquina, Drummond e ele desenharam e escreveram fazendo de cada palavra bênçãos de beleza e alegria.

Drummond, certa feita, disse conto contado por Ziraldo, merecer um adjetivo, infelizmente desmoralizado: maravilhoso! “Não há outro, e sinto a pobreza do meu cartuchame verbal, para definir Flicts, por exemplo: não carece definição. É”.

Ziraldo, por sua vez, escreveu ao poeta. Queria deixar-lhe “o melhor de mim, uma vontade de dizer-lhe o tanto que o amava e a imensidão da minha alegria, minha total incapacidade de dizer-lhe muito obrigado”.

Repito o mesmo. Para um e outro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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